Museu de Etnologia abre reservas da Amazónia e planeia exposição permanente

Cinco anos depois, o museu abre ao público um espaço que é, por hábito, inacessível. Depois da vida rural, chega a vez dos índios da Amazónia, com quase 40 povos representados por duas mil peças

Fileiras de vitrinas recheadas de artefactos ameríndios. Máscaras, panelas, setas, redes, amuletos, cestos. Artefactos que marcam o dia-a-dia das sociedades indígenas da Amazónia, desde a confecção dos alimentos até aos rituais que envolvem a morte e a relação com as divindades.Nas reservas dedicadas à Amazónia, que o Museu Nacional de Etnologia (MNE) inaugurou na quarta-feira, é possível entrar nestas microcomunidades através de quase duas mil peças provenientes de diversas colecções, duas delas separadas por quase 40 anos: uma reunida por Victor Bandeira em meados dos anos 60, na altura da criação do próprio museu, a outra em 2000, pelo antropólogo brasileiro Aristóteles Barcelos Neto, sob encomenda do MNE.
"São duas colecções que se completam", diz Joaquim Pais de Brito, director do museu. "A primeira é uma das colecções fundadoras do museu, a outra é muito recente, foi feita de forma sistemática e tornou-se uma espécie de paradigma para o museu, já que nos permite problematizar sobre a sua constituição e resulta de um trabalho inédito com a comunidade que produziu os próprios objectos, os índios Wauja."
Quem percorrer as Galerias da Amazónia poderá ver peças de 37 dos 200 povos indígenas daquela região do Brasil e consultar os catálogos - do MNE e de outros museus nacionais e internacionais - das exposições em que alguns dos artefactos puderam ser vistos.
Tendo por referência as Galerias da Vida Rural - a primeira reserva que o MNE abriu, em 2000, depois de concluídas as obras de ampliação do museu - Pais de Brito acredita que os visitantes estabelecerão com o novo espaço uma relação muito especial. "Com as reservas acessíveis, os públicos sentem que todo o conteúdo dos museus é seu, sentem que estão a descobrir qualquer coisa", diz, acrescentando que "as reservas são sempre áreas muito frequentadas dos museus".
Para que os visitantes possam reunir mais informações sobre a cultura material dos povos representados, o MNE garante o acesso às reservas só através de visitas guiadas, de preferência por jovens antropólogos. "É muito importante que os académicos sejam expostos a situações em que podem sentir o encantamento dos objectos."
Grande parte das peças das Galerias da Amazónia esteve já exposta no próprio museu. A colecção dos índios Wauja - com as grandes máscaras e panelas de cerâmica decorativa - é disso exemplo. Para estas comunidades de índios da Amazónia meridional, a máscara é o mediador entre o homem e as entidades não-humanas - os apapaatai - que se revelam sempre que um indivíduo sonha ou adoece.
"Aqui temos uma colecção de mais de 500 artefactos que nos dá a possibilidade de entrar na vida destas microsociedades que subsistem e que há gerações celebram uma certa harmonia entre o homem e a natureza."
As Galerias da Amazónia não deverão criar o "efeito de espelho" que se observa na visita às da Vida Rural - objectos portugueses ligados às práticas agrícolas -, mas poderão funcionar como uma promessa de exotismo. "Aqui as pessoas não se poderão reencontrar com a sua cultura nem com as memórias concretas da sua experiência ou região, mas verão coisas completamente diferentes e inesperadas."
O MNE tem ainda previsto a médio prazo a abertura de outro espaço de reservas.

Pequenos museus dentro do museu Este ano não será apenas marcado pelas novas reservas visitáveis. Depois de seis anos de trabalho, o museu vai inaugurar uma exposição permanente, a primeira da sua história.
Fundado em 1965, o MNE tem mais de 30 mil peças no seu acervo, originárias de diversos países. Entre as suas colecções mais importantes estão as africanas, representando povos e culturas de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Mali, Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Camarões.
"A exposição terá núcleos autónomos e rotativos, como pequenos museus dentro do museu", explica Pais de Brito. "Os módulos rotativos - as peças dentro deles também vão rodar - serão temáticos e permitirão ao museu mostrar a diversidade das suas colecções."
Os primeiros núcleos deverão ocupar-se da escultura africana, dos instrumentos musicais, das tampas de panela de Cabinda ou da expressividade plástica das tradições não-eruditas (barro figurado, escultura em madeira).
"É muito importante para um museu como o nosso ter uma exposição permanente que possa ser anunciada nos roteiros turísticos e culturais", sublinha o director, garantindo que o espaço servirá também para "honrar" os doadores do museu e todos os que ali fizeram depósitos de longa duração.
"As exposições permanentes envelhecem rapidamente, tornam-se inertes. Mas, bem geridas, podem ser muito importantes para solidificar a relação entre o museu e o público e para tranquilizar as equipas técnicas, completamente esgotadas pelo ritmo que as constantes mostras temporárias impõem a um museu sem núcleos permanentes."

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