ETIÓPIA E ERITREIA À BEIRA DE NOVA GUERRA

O impasse no Corno de África poderá reacender
o conflito na Somália e dificultar a pacificação
do Sudão. Por Emily Wax, em Aksum, Etiópia

À medida que um sol cor de laranja se afundava a semana passada sobre os barracões de zinco de uma nova base militar no aeroporto da cidade fronteiriça de Aksum, na Etiópia, dezenas de soldados matavam o tempo a jogar futebol. Aguardam ser chamados ao serviço a qualquer momento. Ontem a ONU voltou a alertar para "a situação tensa e potencialmente volátil" que se vive na fronteira daquele país com a Eritreia. Os dois Estados travaram uma guerra de trincheiras entre 1998 e 2000, sobre as linhas em disputa da fronteira montanhosa. A luta terminou numa trégua, mas só depois da perda de mais de 70 mil vidas.
Agora, existe um novo impasse e uma nova concentração de forças. As tropas que estão em Aksum, segundo disseram diplomatas, fazem parte de contingentes maiores posicionados em trincheiras recentemente escavadas ao longo dos dois lados de uma fronteira de mil quilómetros. Os cálculos apontam para 130 mil soldados do lado etíope e 250 mil do eritreu.
O International Crisis Group, com sede em Bruxelas, avisou na semana passada que o reatar do conflito desestabilizaria e rearmaria todo o Corno, "originando uma guerra na Somália e prejudicando o frágil processo de paz no Sul e no Leste do Sudão".
Numa entrevista dada na semana passada em Addis-Abeba, o primeiro-ministro etíope Meles Zenawi declarou que os dirigentes eritreus "não hesitarão por um momento em desencadear outra guerra se pensarem que ganharão com ela. O nosso equilíbrio militar terá de os dissuadir".
Na Eritreia, o Presidente Isaías Afwerki restringiu recentemente os voos de helicóptero dos observadores da ONU e expulsou 180. Também se recusou a receber uma delegação enviada pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

Detidos dirigentes da oposição Numa recente entrevista aos meios estatais de comunicação social, Afwerki acusou os dirigentes da Etiópia de correrem para a guerra para cimentar o poder, numa altura em que Zenawi e o seu partido têm sido criticados por esmagarem a oposição. "Estão a tentar escapar à crise por todos os meios", disse Afwerki. "Estão a desviar a atenção da crise existente na Etiópia. A intenção de desencadear a guerra deriva da crise do regime etíope e do seu desespero".
Há uma década, Zenawi e Afwerki foram saudados pelos EUA como parte de uma nova geração de dirigentes africanos progressistas e democratas. Hoje, qualquer um deles é cada vez mais impopular no seu país, onde são criticados por não terem conseguido reduzir a pobreza desesperada e o elevado nível de desemprego.
Para controlar a agitação, ambos os líderes prenderam dirigentes da oposição e enviaram polícia de choque com balas verdadeiras para controlar os protestos. E ambos utilizaram a perspectiva de outra guerra fronteiriça mortal como forma de unir a população contra um inimigo externo.
"O medo da guerra faz as pessoas esquecerem todos os outros problemas. Mas a verdade é que estes líderes estão a brincar com as nossas vidas", disse Firdi Mekonen, de 41 anos, historiador.
"A comunidade internacional ficou satisfeita com as reformas económicas e as pessoas sentiram que o processo democrático estava a avançar, mas ainda parece haver alguma mentalidade de comando e controlo", disse Tim Clarke, embaixador da União Europeia em Addis-Abeba. "Também parece haver abusos significativos dos direitos humanos e detenções de quem se manifesta." Mas alguns observadores pensam que a estratégia de Zenwai de falar de uma ameaça vinda da Eritreia poderá funcionar no interior, pelo menos temporariamente.
"É uma táctica inteligente", disse Abdul Mohammed, um cientista político etíope. "Tem ajudado líderes de todo o mundo."
Afwerki aparece muitas vezes na televisão estatal a incitar os eritreus contra a Etiópia. Nos últimos meses, os analistas consideraram que cerca de 250 mil soldados eritreus avançaram para a fronteira e a Etiópia teria respondido aumentando a sua defesa. Ameaçada com sanções da ONU, a Etiópia começou depois a retirar algumas das suas tropas, mas a Eritreia permaneceu em desafio. As Nações Unidas dizem que a Etiópia não tomou medidas para iniciar a demarcação do pedaço contestado da fronteira e o Conselho de Segurança irá debater o assunto no próximo mês.
Bomer Nega, de 84 anos, pai do presidente do município de Addis-Abeba que está preso, Berhanu Nega, afirma que o actual Governo da Etiópia só está interessado em manter-se no poder. "A oposição nem sequer tem um porta-voz. Estão todos na cadeia. Aqui não há democracia. Permitem que os líderes sejam eleitos, mas depois colocam-nos na cadeia. Penso que este país volta a estar encurralado." Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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