Sandra apoia mulheres durante o parto
Até uma coisa tão simples como poder beber água durante o trabalho de parto
às vezes consegue fazer toda a diferença
Sandra Oliveira, de 33 anos, desistiu do emprego numa multinacional para dar apoio físico e emocional a mulheres grávidas ou durante o parto. Está determinada a melhorar as condições em que se nasce nos hospitais portugueses e pôs em prática um projecto-piloto no Hospital Garcia de Orta, em Almada. "Não é preciso dinheiro, basta vontade para perceberem melhor as nossas necessidades", acredita.Ouviu pela primeira vez falar de doulas quando fazia preparação para o parto da sua única filha, hoje com cinco anos. E o trabalho destas mulheres - que dão apoio psicológico e emocional às grávidas e mães recentes em muitos países - nunca mais lhe saiu da cabeça.
No ano passado, aproveitou a reestruturação da multinacional onde trabalhava para se despedir. "Andei à procura de emprego, mas nada do que surgia me satisfazia". Um dia, na Internet, começou a pesquisar e encontrou uma torrente de informação sobre as doulas e a ajuda que prestam - "um apoio que eu já gostava de dar instintivamente a outras pessoas".
Em Janeiro, partiu para Barcelona para fazer um curso intensivo de doula, leccionado pelo obstetra Michel Odent, um dos grandes defensores do papel destas mulheres e do regresso a um nascimento menos medicalizado. "Aquela formação respondeu às minhas necessidades e à minha inconformidade com as regras impostas às mulheres durante o parto".
Sandra lembra-se da primeira vez que visitou a sala do Hospital Garcia de Orta, em Almada, onde as mulheres fazem o trabalho de parto. "Tinha de estar deitada e o meu marido só podia ficar comigo se não estivessem mais mulheres a fazer a dilatação. Pensei: não quero fazer a dilatação deitada. Não vou ficar aqui". E não ficou. "Entrei na maternidade já com oito dedos de dilatação. Foi tudo muito rápido."
Depois de regressar de Barcelona, Sandra desenvolveu um projecto na Internet - o Bionascimento (www.bionascimento.com) - em parceria com uma enfermeira especialista em saúde materna e infantil e com uma psicóloga clínica. Com este site pretende "iniciar um movimento em prol das necessidades das mulheres e da compreensão do processo fisiológico do parto". Também com uma vertente comercial. Além do trabalho de doula, pelo qual é paga - e que inclui apoio durante o nascimento, mas também visitas durante a gravidez e o pós-parto -, será possível encontrar em breve, no site, material de apoio ao nascimento para profissionais e instituições de saúde.
Sandra também não descansou enquanto não viu editado o último livro de Michel Odent (A Cesariana - Operação de Salvamento ou Indústria do Nascimento?) e trouxe o especialista a Portugal.
Projecto-piloto No último ano, nove mulheres foram acompanhadas por Sandra durante o parto e o pós-parto. Seis delas ao abrigo de um projecto-piloto ainda muito embrionário no Hospital Garcia de Orta. O projecto surgiu de uma vontade do hospital de humanizar os partos e foi realizado sempre com a mesma equipa médica. "Tive de explicar aquilo que iria fazer às futuras mães, às equipas médicas e de enfermagem. As doulas não realizam qualquer acto médico, estando ali apenas para dar apoio. Quer às mães quer aos pais. Às vezes os pais estão mais nervosos do que as mães".
Com as mulheres que ajudou e continua a ajudar criou uma relação de amizade. "Fiquei amiga de todas as minhas mamãs, mantenho contacto com elas e ofereço-mo para tudo: para lhes tirar dúvidas, para as aliviar, numa relação em que não nos desligamos".
Também a nível médico e de enfermagem a resposta foi "muito positiva". Sandra - que passou muito do tempo apoiando mulheres e famílias na sala de espera do hospital - acredita que a comunidade médica compreenderá que a humanização é fundamental. "É importante que os médicos percebam que esta acção não é isolada nem centrada numa pessoa, mas um movimento que passa por acções simples. Não é preciso dinheiro, apenas que as pessoas entendam melhor as necessidades das mulheres, que não são faladas nos cursos de Medicina".
Coisas tão simples como poder beber água durante o trabalho de parto, poder fazer a dilatação em pé e não deitada, não dar ocitocina no soro porque esta hormona, usada para acelerar o trabalho de parto, provoca contracções mais dolorosas. Aceitar que a mulher não deve fazer a expulsão deitada, mas preferencialmente numa posição vertical. "Que se respeitem as directrizes da Organização Mundial da Saúde, que há mais de 20 anos continuam por aplicar."