Chove mesmo metano em Titã

Missão trouxe novas interrogações sobre esta lua de Saturno, como a identificação de uma estranha substância no solo

Quando a sonda Huygens aterrou em Titã, a 14 de Janeiro, tinha chovido há algum tempo. Era uma chuva de metano. Este é um dos resultados da missão da sonda europeia à maior lua de Saturno, que ontem foram publicados num dossier, com sete artigos, na edição on-line da revista Nature. É a primeira análise publicada dos dados recolhidos pela Huygens, durante a descida pela atmosfera e a aterragem. "Não estava a chover quando a Huygens desceu, mas houve chuva de metano no passado", conta Fernando Simões, o único português envolvido na missão da Huygens, a trabalhar no Centro de Estudos de Ambientes Terrestres e Planetários, em Paris, e um dos muitos autores dos artigos. "Não se sabe a escala temporal, porque é preciso conhecer as taxas de evaporação de metano: se choveu na semana anterior ou há dois ou três meses. Essa escala pode ir até uma dezena de anos", acrescenta.
Certo é que um dos aparelhos científicos da sonda detectou metano líquido na superfície assim que se deu a aterragem, e continuou a detectá-lo durante os 69 minutos em que a Huygens conseguiu obter e transmitir dados para a sonda Cassini, dos Estados Unidos, em órbita perto de Titã.
Seja como for, o metano é mesmo um dos principais constituintes da atmosfera, tal como o azoto, como antes se suspeitava. Isto significa que há um ciclo de metano em Titã, tal como na Terra há o ciclo da água? "Sim, isso é inequívoco."
No entanto, a Huygens não detectou lagos ou oceanos de metano (com a temperatura à superfície, de 179 graus Celsius negativos, o metano é líquido, e não um gás como na Terra). "Antes, supunha-se que isso poderia acontecer."
Tal ausência deixou os cientistas com uma nova interrogação: afinal, de onde vem o metano? Como as concentrações desde gás na atmosfera se desvanecem por completo em dez milhões a 20 milhões de anos, devido às reacções químicas provocadas pela luz solar, tem de haver uma fonte contínua de reabastecimento da atmosfera de Titã, uma lua formada há cerca de 4500 milhões de anos.
"Se houvesse um mar de metano, haveria evaporação e voltaria a chover, como na Terra com a água." Refutada a hipótese dos mares de metano, agora há quem pense que ele está no interior de Titã e virá para a superfície através de criovulcões - vulcões que, em vez de lava, expelem gelo de água com amónia e metano. "Essa é uma das possibilidades, e já foi detectado pelo menos um potencial vulcão. Mas não se sabe se as coisas funcionam assim."
A 20 quilómetros de altitude, a sonda conseguiu detectar algo parecido com nuvens, mas bastante ténues, disse ainda o físico português. Relâmpagos, no entanto, é coisa que ninguém se atreve a dizer que há. "Se existirem, ocorrem a uma frequência muito menor do que na Terra, onde há 100 por segundo. Nas duas horas e meia que durou a descida da Huygens, poderemos ter tido talvez um só evento."
Mas o estudo das propriedades eléctricas da atmosfera de Titã revelou a existência de uma camada ionizada (electricamente carregada), com origem nos raios cósmicos, a 60 quilómetros de altitude - e não aos 90 a 100, como sugeriam os modelos teóricos.
Estes dados trazem novidades para perceber a química da atmosfera, onde ocorrerão reacções que levam o metano a dar origem a moléculas muito longas de carbono e hidrogénio (hidrocarbonetos). Ao juntarem-se em cadeia, essas moléculas formam partículas em suspensão, que quase nada deixam ver da superfície. São as famosas brumas de Titã, que, pela acção da gravidade, vão caindo até à superfície.

Um constituinte-mistérioNo solo, essas moléculas teriam o aspecto de um lamaçal de hidrocarbonetos, baptizado por Carl Sagan com o nome de tolinas. Porém, a Huygens não se deparou apenas com as esperadas lamas de hidrocarbonetos, o que foi uma surpresa. "Há outro constituinte na superfície, que não se sabe o que é, mas pode ter repercussões sobre a evolução dos hidrocarbonetos na atmosfera. Há muita gente a fazer ensaios em laboratório e a tentar perceber que tipo de compostos são esses", diz Fernando Simões. "Andam à caça de possíveis compostos químicos que possam sobrepor-se aos resultados obtidos."
Afastadas estão as primeiras informações veiculadas sobre a consistência do solo de Titã. Começou-se por dizer que, no local da aterragem, era como leite-creme com uma camada fina mais ou menos estaladiça, como açúcar caramelizado. Afinal, a sonda bateu numa rocha de gelo, o que levou à hipótese de o solo ser como leite-creme com uma crosta de açúcar a quebrar-se. Pensa-se agora que o solo tem uma consistência menos requintada - de argila ou areia molhadas.

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