Frenzy - Perigo na Noite

Através de um filme sobre um assassino psicopata, Alfred Hitchcock regressa à cidade onde nasceu, aos locais da sua infância e a um dos seus temas preferidos, o falso culpado. No final da sua carreira, o mestre também prova que não perdeu o talento

Por Ana Filipa Gaspar

Na opinião do realizador Peter Bogdanovich, "o mundo tornou-se mais sombrio do que nunca em Frenzy - Perigo na Noite", a penúltima longa-metragem de Alfred Hitchcock que se estreou em 1972. Nomeado para quatro Globos de Ouro, este foi um filme barato e um relativo sucesso de bilheteira, ao contrário dos anteriores Cortina Rasgada e Topázio.Durante o trailer, o mestre do suspense surge a flutuar no rio Tamisa, em Londres, enquanto diz estar a investigar um crime e explica que "os rios podem ser locais muito sinistros". Havia 20 anos que Hitchcock não trabalhava em Inglaterra e Frenzy marcou o seu regresso. A paisagem que escolheu filmar fazia parte do seu imaginário infantil - o mercado de Covent Garden, onde o seu pai vendia legumes e hortaliças quando era criança.
O projecto de Frenzy - Perigo na Noite começou a ser desenvolvido em 1966. Na altura, Hitch e o escritor Howard Fast elaboraram um guião sobre um assassino psicopata desfigurado e homossexual, membro de uma importante família americana, mas os estúdios Universal recusaram-no. Quatro anos depois, o realizador decidiu recuperar o tema ao adaptar o romance Goodbye Piccadilly, Farewell Leicester Square, de Arthur La Bern.
Para escrever o argumento, Hitchcock convidou Anthony Shaffer e ambos fizeram uma investigação sobre assassínios em série e psicopatia criminal. Shaffer explica, numa entrevista incluída no DVD, que não ocorriam muitos crimes desse género na época e o que interessava ao realizador eram os "psicopatas sexuais agressivos". Assim, apenas dois casos verídicos inspiraram o guião - a história de um jovem ex-oficial da Royal Air Force, Neville Clevely Heath, e de um indivíduo londrino chamado Christie.
Frenzy - Perigo na Noite contém várias marcas pessoais de Alfred Hitchcock, como a fórmula do falso culpado, o humor negro ou o mecanismo do suspense, e é, por isso, considerado um retorno aos seus thrillers dos anos 40. Aos 20 minutos, o espectador já conhece o assassino e sabe que um inocente está a ser injustamente incriminado - mas será que vai conseguir prová-lo?
A par do crime, a comida está sempre presente e é ela que causa alguns risos perversos. É o que acontece quando o inspector que investiga os crimes de Frenzy discute o caso com a sua mulher e esta serve-lhe especialidades da cozinha francesa. Infelizmente, não é tão boa cozinheira quanto tenta ser e o marido é obrigado a comer (ou fingir que come) os seus pratos agoniantes.
Mas Hitch revela a sua mestria, sobretudo em duas sequências memoráveis. A primeira, intitulada Adeus a Babs, corresponde ao segundo assassínio do filme, cuja violência, ao contrário do primeiro crime, só se torna visível após um flashback. O mestre prefere retirar lentamente a câmara num falso plano contínuo que sai do apartamento do assassino e regressa à agitação da cidade, sem dizer o que a imagem não mostra, mas permite perceber. A segunda decorre num camião que transporta batatas e, ao todo, inclui 114 cortes. Esta sequência incomoda particularmente pelo som que o assassino provoca ao partir os dedos da vítima - um efeito sonoro perturbador que torna a imagem "real" na mente do espectador.
Por sua vez, o elenco é composto por actores ingleses desconhecidos e não estrelas consagradas em Hollywood. Entre eles, John Finch revela ter ficado "completamente atordoado", quando Hitchcock o convidou para interpretar o protagonista, Richard Ian Blaney. De facto, Finch não é o típico galã dos thrillers do mestre, mas desempenha um papel bastante convincente e próximo do real, tal como os outros actores.
Frenzy - Perigo na Noite é a obra mais carnal que Hitchcock filmou, com cenas de nudez explícita e violência assustadora - em Portugal, a ditadura vigente no início da década de 70 censurou-o. Mas ainda hoje este thriller surpreende pela ousadia do seu realizador, que, aos 72 anos, era capaz de arriscar e não temia retratar com a objectiva da sua câmara os aspectos mais repugnantes da vida e da morte.

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