"É difícil um político aceitar que os cientistas resolvem problemas"
Há 15 anos que Toss Gascoigne, director do Conselho de Humanidades, Artes e Ciências Sociais da Austrália, tenta aproximar políticos e cientistas. Mas não é uma tarefa fácil. Mesmo na Austrália, onde a fatia de produto interno bruto que se investe em ciência é o dobro da portuguesa, as duas classes vivem de costas viradas. Por Ana Machado (texto) e Pedro Vilela (foto)
Em que medida é que a sociedade pode beneficiar do encontro entre a política e a ciência? Decisões políticas mais bem fundamentadas e uma sociedade civil mais bem informada são alguns dos aspectos que Toss Gascoigne, especialista em ciência e decisão política, acha que podem ser alcançados em resultado desse encontro. Em 1999, Gascoigne decidiu promover o encontro entre o conhecimento científico e a decisão política, levando investigadores ao Parlamento australiano por dois dias. Pouco mais de metade dos deputados se mostraram interessados na iniciativa. Mas Gascoigne crê que, perante o panorama de desinteresse da política face à ciência, essa foi uma boa média. Hoje está em Lisboa, para falar da sua experiência e fazer com que, também cá, o Parlamento português, que tem tantos deputados como o australiano, possa beneficiar da sua experiência.PÚBLICO - Por que é que, na maioria das vezes, os cientistas forçam o contacto com os políticos? Esse contacto não devia surgir naturalmente?
TOSS GASCOIGNE - É verdade. Um dos problemas na Austrália é que os decisores políticos não têm formação científica. Temos mais ou menos os mesmos deputados no Parlamento do que Portugal: temos 226 deputados e talvez dez deles tenham formação científica. Eles não percebem as potencialidades da ciência, nem as suas limitações. Por outro lado, os cientistas são muito pouco realistas em relação à política. O importante é que uns percebam o que podem fazer pelos outros.
Pensa que os políticos não sabem quem procurar dentro da ciência, quando precisam de alguém para os aconselhar?
Normalmente, os políticos procuram primeiro um departamento, um burocrata, que por sua vez o aconselha mal. Esse departamento talvez fale com um cientista ou com uma organização. É isso que não queremos que aconteça. Os políticos falam com advogados, economistas e gestores, porque é maioritariamente essa a sua formação. Mas não se sentem à vontade a falar com um cientista. É difícil para os políticos aceitar que os cientistas resolvem problemas. Não há respostas imediatas em ciência e os políticos são gente de respostas imediatas.
Fale-nos um pouco da iniciativa Science meets Parliament, que fundou na Austrália.
A primeira coisa que fiz foi escrever uma carta a todos os membros do Parlamento. Perguntava-lhes se gostariam de se encontrar com alguns cientistas e discutir assuntos interessantes. Cerca de 60 por cento disseram que sim, 140 do total. Ficámos muito contentes com o resultado. Basicamente, inspirámo-nos numa iniciativa norte-americana, que tem cerca de 15 anos, que se chama Congressional Visits Day e que é organizada pelas sociedades científicas.
O Congressional Visits Day levou a alguns resultados concretos nos Estados Unidos?
O que se passa nos Estados Unidos é muito diferente. Eles investem o dobro da Austrália em ciência, investem cerca de três por cento do produto interno bruto (PIB). Na Austrália, esse investimento está em 1,7 do PIB.
E na Austrália? Que consequências teve a iniciativa que fundou em 1999?
A primeira coisa que notámos foi que os políticos deixaram de encarar o cientista como um louco. Viram que o cientista tem ideias e que pode apresentar soluções. Eles têm muito para dizer um ao outro. Conseguimos abrir o canal de comunicação. A segunda coisa foi que, lentamente, a ciência começa a ser considerada. Mas é uma política de pequenos passos. Os políticos já começam a perceber o que é que a ciência pode fazer ou não pode. E os cientistas também já sabem de que modo é que podem chegar aos políticos.
Quando os políticos ouvem os cientistas, as sugestões são acatadas ou, no final, os políticos fazem o contrário?
Por vezes isso acontece, mas não é só culpa dos políticos. O discurso dos cientistas nem sempre é acessível. Este ano, levei dez voluntários cientistas para explicarem num minuto aos deputados aquilo que fazem. Estamos a treinar os cientistas para serem muito breves a explicar o que fazem. Às vezes os cientistas também estão muito virados para si, e perdem a facilidade de contacto com as pessoas comuns.
E qual é o papel dos jornalistas nesta questão?
São uma peça fundamental. Eles podem simplificar uma história e reduzi-la a poucas palavras, o que pode ajudar a comunicação com os políticos, que são pessoas muito ocupadas. Há uma relação de amor-ódio entre políticos e jornalistas também. Mas eles precisam uns dos outros. Acho que os cientistas respeitam mais os jornalistas.
Quais são os principais objectivos? Quando é que se vai dar por satisfeito?
Nunca acaba. É como uma luta entre o bem e o mal. Todos os dias se colocam novos desafios. E há sempre novas pessoas a entrar no sistema. Mas vale a pena investir.