John Zorn, o maestro do caos
De John Zorn não seria de esperar um concerto normal. O nova-iorquino, actualmente com 52 anos, é célebre por trazer para o jazz a bizarria, o humor e a obsessão pós-moderna de juntar géneros aparentemente antagónicos. Nos seus múltiplos projectos de uma carreira com mais de 400 álbuns, Zorn passou por quase todos os géneros musicais, do jazz ao grindcore, passando pela música para desenhos animados e o klezmer. Para a versão nacional do projecto Cobra - a game piece mais conhecida de Zorn -, o veterano seleccionou 13 músicos portugueses, dos mais diversos estilos (do jazz à pop). Entre eles, estavam o violinista Carlos Zíngaro e o contrabaixista Carlos Bica, mas também músicos da nova geração de improvisadores nacionais, como Gustavo Costa (bateria) e Henrique Fernandes (contrabaixo). Todos eles passaram o domingo a aprender as regras intrincadas e desconhecidas para o público que subjazem a cada incarnação do projecto num workshop dirigido por John Zorn.
Quem esperava ouvir o saxofone do norte-americano pode ter ficado desiludido porque, no Cobra, Zorn assume o papel de maestro de uma orquestra de improvisadores. Em palco, duas baterias, dois conjuntos de percussão, um violino, três guitarras (uma delas do histórico Nuno Rebelo), dois contrabaixos, um piano eléctrico e um contratear, num total de 13 músicos, formavam um semicírculo voltado para Zorn, que lhes dava ordens através de gestos e cartões coloridos.
Por vezes, ordenava a um músico que colocasse um fita branca na cabeça, tornando-o segundo líder do ensemble durante algum tempo. Noutros momentos, punha apenas uma parte do conjunto a improvisar para fazer entrar outro grupo de músicos, gerando curiosos diálogos; noutros ainda, isolava um membro para fazer cair mais tarde a dissonância colectiva ou apontava para os músicos, um a um, para que fizessem soltar um qualquer som do seu instrumento. Em suma, assistiu-se a uma sessão de improviso coordenado, um curioso exercício entre a democracia e o totalitarismo.
Carlos Zíngaro assumiu algum destaque no conjunto. A segunda peça, por exemplo, teve o seu violino como eixo, seja sozinho ou como fio condutor, a que se juntaram os outros instrumentistas. Noutra peça, Jorge Queijo tocou bateria com martelos de S. João, num dos momentos mais bem-humorados da noite. Noutra, Albrecht Loops explorou o ruído, aplicando um ferro às cordas da guitarra, num silvo eléctrico que deliciou Zorn, que estimulava constantemente os músicos, como um maestro pouco ortodoxo.
Sem ser demolidor, como muitos esperavam, a versão nacional do projecto Cobra esteve à altura das responsabilidades, alcançando uma feliz convivência entre os discursos musicais de cada participante e a marca comum impressa por Zorn. A satisfação com que o nova-iorquino e os 13 músicos portugueses saíram do palco atesta o sucesso de cerca de uma hora de improvisação dirigida.