Arthur C. Clarke previu a existência de satélites há 60 anos
A II Guerra tinha
acabado há meses, quando o futuro escritor de ficção científica fez a previsão para o ano 2000
Há 60 anos, o escritor de ficção científica britânico Arthur C. Clarke propunha no número de Outubro da revista Wireless World a ideia revolucionária de enviar satélites para o espaço para estabelecer uma rede de comunicação a nível global de rádio e televisão. Mas não eram satélites como os que hoje conhecemos: seriam gigantescas estações espaciais, recheadas de técnicos e cientistas que manteriam todo o complicado material em funcionamento. E era algo em que se devia começar a investir para, talvez no ano 2000, ser uma realidade. A previsão do futuro autor de 2001: Odisseia no Espaço saiu um pouco furada, porque 12 anos depois a União Soviética lançou o Sputnik, o primeiro satélite artificial, que dava voltas à Terra a fazer um "bip-bip" seguido pelos radioamadores. Mas isso não diminui o estatuto de visionário de Clarke: só falhou nas datas porque ainda não tinham sido inventados os transístores, que representaram uma revolução na electrónica.
A II Guerra Mundial tinha acabado nesse ano, e Clarke tinha trabalhado no desenvolvimento de radares militares, uma nova tecnologia saída desse conturbado período. Nessa altura, os radares dependiam de um sistema de válvulas, o que resultava em aparelhos grandes e muito temperamentais. Por isso, na visão da época, os satélites artificiais teriam de ser bem grandes e necessitariam de um exército de pessoas para os manterem a funcionar.
"Já disse algumas vezes, e de forma não totalmente séria, que a invenção dos transístores foi um desastre para a exploração espacial. Se não tivessem sido inventados, teria de haver vaivéns a voar todos os dias", comentou Clarke, numa entrevista recente à televisão britânica BBC.
Na verdade, foi em Fevereiro de 1945 que a ideia de Clarke começou a germinar, num outro artigo também na revista de divulgação científica Wireless World. Nesse artigo, Usos para os V2 em tempo de paz, discorria sobre a possibilidade de lançar satélites com uma órbita geostacionária para facilitar as comunicações a nível global, algo que considerava estar a meio século de distância - por alturas do ano 2000, portanto. "Um "satélite artificial" à distância correcta da Terra completaria uma revolução a cada 24 horas, isto é, permaneceria estacionário sobre o mesmo ponto do planeta."
Mas foi em Outubro que apresentou mesmo a sua proposta - embora um editor da revista tenha querido recambiar o artigo para o autor, por achar a ideia destrambelhada.
"Indispensável para uma sociedade mundializada"Neste artigo sublinhava a fraca qualidade da comunicação a longas distâncias, quer se trate de telefonia, telégrafo ou televisão. "Um verdadeiro serviço de transmissão, que tenha uma força de campos constante a todo o momento, em todo o globo, teria um valor incalculável, para não dizer que é indispensável, para uma sociedade mundializada", escrevia Clarke.
"Um foguetão que atingisse uma velocidade de voo suficientemente grande para escapar à atmosfera terrestre nunca regressaria. Esta velocidade "orbital" é de oito quilómetros por segundo e um foguetão capaz de a atingir poderia tornar-se um satélite artificial, que giraria à volta do mundo para sempre, sem gastar energia - seria uma segunda Lua." O foguete alemão A10 já tinha atingido metade desta velocidade, sublinhava, para mostrar quão próximo se poderia estar.
Clarke propunha que esta espécie de segunda Lua artificial ficasse numa órbita circular ao nível do equador da Terra, a 35.787 quilómetros de altitude acima do nível médio do mar. Nesta posição teria um período igual ao da rotação da Terra sobre o seu próprio eixo (24 horas) e permaneceria geoestacionária sobre o mesmo ponto do planeta. Foi mesmo isso que foi posto em prática, anos depois, a 19 de Junho de 1964, quando foi lançado o primeiro satélite geoestacionário (Syncom) e esta posição ficou conhecida como a órbita de Clarke.
O escritor, que fará 88 anos a 16 de Dezembro e vive no Sri Lanka, diz que ainda se sente orgulhoso desta previsão, embora às vezes tenha alguns remorsos: "Quando vejo as coisas que são transmitidas pelos satélites, sinto uma certa afinidade com o falecido Dr. Frankenstein", disse à BBC.
Admite que houve coisas que o apanharam completamente de surpresa, como a invenção do microchip: "Não mudou nada, mas tornou tudo mais acessível. Nunca sonhei que toda a gente pudesse ter tanto equipamento na secretária como hoje em dia se tem."
Mas há coisas que ainda não desistiu de ver realizadas, sobretudo no que toca às viagens espaciais e à busca de vida inteligente no Universo: "A analogia que costumo usar é esta: se peixes inteligentes discutissem sobre se deveriam ir para terra, podia ser que um esperto peixinho jovem pensasse em muitos motivos. Mas, como peixes, nunca pensariam no fogo e o que me parece é que no espaço vamos encontrar coisas tão úteis como o fogo."