Torne-se perito

Ondas do maremoto avançaram 250 metros por Lisboa adentro

Se, por magia, o actual homem mais rápido do mundo, o jamaicano Asafa Powell, aparecesse em Lisboa na manhã do terramoto de 1755, não conseguiria fugir ao maremoto. Depois do sismo, a primeira onda gigante demorou cerca de hora e meia a chegar a Marvila, no extremo oriental de Lisboa - mas a velocidade que trazia no estuário do Tejo era de 42 quilómetros por hora. Nem Powell, que já correu os 100 metros em 9,77 segundos (36,84 quilómetros por hora), conseguiria escapar-lhe. Muito menos os habitantes da Lisboa setecentista, que viram uma onda de cinco metros a aproximar-se e a avançar 250 metros pela cidade adentro. Maria Ana Baptista, do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa, foi quem simulou, pela primeira vez, o tsunami que se abateu nas costas portuguesas, espanholas, marroquinas e até das Caraíbas, em Novembro de 1755. Publicou em 1998 a identificação da área inundada pelo tsunami, transposta num mapa da cidade do século XVIII, num artigo na revista Journal of Geodynamics. Lá se vê que a água avançou um máximo de 250 metros, e que as zonas mais atingidas foram o Terreiro do Paço e o que é hoje o Cais do Sodré. Não avançou mais porque havia edifícios e escombros. Não há números exactos das mortes em Lisboa, mas só o tsunami terá causado 900.
O tsunami só demorou 15 minutos até ao Cabo de São Vicente, aí com uma altura de onda de dez metros. "Numa praia entre Vila do Bispo e Lagos encontraram-se destroços [arrastados pelo tsunami] a um quilómetro da costa. Era um vale sem qualquer construção", diz. A duna da ilha de Faro, com dez metros de altura, foi galgada.
E 25 minutos após o sismo já atingia a zona de Oeiras, com uma altura de onda de seis metros, para em seguida avançar pelo estuário do Tejo. Mas aí a velocidade é muito menor, já que o tempo de percurso depende da profundidade. O tsunami propaga-se mais depressa onde o oceano é mais fundo.
Assim, a seis mil metros de profundidade, a coluna de água movimenta-se a 900 quilómetros por hora, a velocidade de cruzeiro de um avião. A 100 metros, a 113 quilómetros por hora e perto da praia, ou num estuário, a dezenas de quilómetros. A 20 metros de profundidade, anda aos tais 42 quilómetros. "Quando vemos o tsunami, é muito tarde para fugir."
Dentro do estuário, até Marvila, o tsunami levou cerca uma hora. Portanto, desde o sismo até à inundação de toda a zona ribeirinha da cidade de então decorreram 90 minutos. Esta simulação é confirmada pelo registo do marégrafo de Cabo Ruivo, também na zona oriental de Lisboa, do tsunami causado pelo sismo de 28 de Fevereiro de 1969. Mostra claramente que até à chegada da onda decorreram 70 a 80 minutos.
Já o Norte de Portugal foi poupado pelo tsunami de 1755, pois no Porto, por exemplo, a onda tinha um metro. Mas os relatos históricos também indicam que o tsunami chegou a Cádis em 78 minutos, com 15 metros. Tal como o tsunami no sudoeste asiático em Dezembro de 2004 atravessou o Oceano Índico, o de 1755 estendeu-se por uma vasta zona. Da Madeira (quatro metros) à Cornualha (dois metros), atravessou o Atlântico e atingiu as ilhas Barbados, ao fim de 470 minutos. Teresa Firmino

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