Centenas de imigrantes em risco de ficar sem casa

Manifestação em Lisboa juntou moradores em bairros da Amadora, Cascais, Loures e Seixal ameaçados de despejo

Vieram de Loures, da Amadora, da Margem Sul, de Cascais. Dezenas de moradores em bairros degradados nos arredores de Lisboa que correm o risco de ficar desalojados juntaram-se ontem numa manifestação que começou na Praça da Figueira e acabou no Largo Camões, na capital. Uma manifestação convocada pelo Grupo Direito à Habitação da Solidariedade Imigrante (GDH-SI).Timóteo Macedo, presidente da Solidariedade Imigrante, disse ao PÚBLICO que o que está em causa é o risco de várias centenas de imigrantes - a maior parte vinda dos países africanos de língua portuguesa - ficarem sem casa devido à demolição dos bairros degradados onde moram. Estão nesta situação moradores em bairros do Prior Velho e de Olival Basto (Loures), na Amadora, no concelho de Cascais (bairros do Fim do Mundo e das Marianas) e no Seixal (Bairro da Jamaica). Os bairros estão a ser demolidos e, aparentemente, não foram criadas alternativas de realojamento para alguns dos seus moradores, que correm assim o risco de ficar sem sítio onde morar.
Timóteo Macedo disse que esta é "uma luta por habitação para todos", acrescentando que os imigrantes em causa "não aceitam demolições sem alternativas". Acrescentou, no entanto, que "ninguém está a pedir habitação gratuita", recordando ao mesmo tempo que, das várias condições necessárias para uma salutar integração dos imigrantes na sociedade portuguesa, uma delas é, precisamente, a de dispor de uma habitação condigna.
"Há três factores estruturantes de integração: a língua, o trabalho e a habitação", disse, relembrando que em Lisboa há "40 mil fogos vazios" que, no seu entender, poderiam ser utilizados no realojamento das famílias em risco.

Realojamento só para os que chegaram até 1993
Na manifestação - que terminou no Largo Camões com a aprovação de uma carta aberta ao Presidente da República e ao Governo exigindo a resolução do problema -, o grupo dos imigrantes do bairro da Quinta da Serra de Baixo (Loures) foi chefiado por Cremilde Pereira Menezes, uma guineense de 55 anos que chegou a Portugal em 1994.
Cremilde, empregada doméstica mãe de seis filhos (quatro em Portugal, dois na Guiné-Bissau), explicou ao PÚBLICO que só mora no seu actual bairro por ter sido expulsa do Prior Velho (zona para onde o Parque das Nações se está a expandir). Segundo diz, o sítio onde mora está ameaçado de demolição e cerca de 60 famílias ficaram de fora dos esquemas de realojamento. "Só serve para os que chegaram até 1993", explica.
Agora, depois de uma vida inteira de trabalho árduo e de muita pobreza, diz que já está "sem forças" para procurar de novo um outro sítio para morar, pelo que espera tudo dos poderes públicos.
As várias famílias do bairro que estão em risco de ficar sem casa uniram-se e organizaram-se, tendo-se ao mesmo tempo estabelecido uma rede com imigrantes noutros concelhos com o mesmo problema, organizada pela Solidariedade Imigrante.
Cremilde queixa-se deste problema mas há outras queixas. Aparentemente, a polícia ("os ninjas", como lhes chamam) trata "à bruta" as crianças e jovens do bairro, o que causa grande revolva.
"Aquilo não é a terra dos macacos", diz uma outra moradora que, mais politizada, atira, furiosa: "Os portugueses trataram-nos mal em África e agora tratam-nos mal aqui". O discurso entre todos parece organizado, nomeadamente na garantia de que não querem casas gratuitas. "Uma renda entre cem e 150 euros eu aguento", diz Cremilde.
À manifestação juntaram-se também alguns militantes (sobretudo jovens) do Bloco de Esquerda e o próprio líder do partido, e candidato presidencial, Francisco Louçã. No Bloco, os direitos dos imigrantes têm sido um tema importante de combate político, o que também já passou por iniciativas legislativas (actualmente em discussão) como uma nova Lei da Nacionalidade consagrando o princípio jus solis (o que faz um português não é o ser filho de portugueses mas sim nascer em Portugal).

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