Solistas no palco, mas também na plateia, do Rivoli
Nova criação de Né Barros, uma interrogação sobre os limites físicos
e as barreiras psicológicas da dança, estreia-se hoje
Não é uma peça que caiba dentro dos limites (nem do limite físico do palco, tal como tem sido entendido pelas artes performativas, nem da barreira psicológica que separa a dança do discurso sobre a dança), é precisamente uma peça sobre limites (e também sobre insufláveis). Solistas, a nova criação da coreógrafa Né Barros que hoje se estreia no grande auditório do Rivoli, no Porto, está nessa tensão entre um DJ (Nuno Coelho) e seis bailarinos, entre o palco e a plateia, entre a dança e a performance, mas sobretudo entre o que é próprio do indivíduo e o que é próprio do colectivo. É, de resto, esse o programa coreográfico de Solistas: "Quando comecei a experimentar, percebi que estava sobretudo a trabalhar relações de ausência e de presença dentro do grupo. Mesmo num contexto coral, há sempre solistas. Cada pessoa tem uma maneira particular de repetir a mesma coisa - no limite, é como se essa "mesma coisa" não existisse", resume Né Barros ao PÚBLICO.
Foi sobre isso que quis trabalhar: sobre o que acontece quando o corpo específico e totalmente circunstancial de um bailarino se apropria da matriz coreográfica que lhe é imposta. "Existe, é óbvio, uma matriz coreográfica concreta que eu forneço. Mas depois deixo que seja o corpo deles a reconfigurar o movimento. Durante uma boa parte dos ensaios, fico na expectativa à espera das propostas deles. Pedi-lhes que não parassem de descobrir coisas até à estreia", explica a coreógrafa.
No caso de Solistas, ficou à espera das propostas dos seis bailarinos - Elisabete Magalhães, Gustavo Gomes, Joana Melanda, Jorge Gonçalves, Pedro Rosa e Sónia Cunha -, mas também ficou à espera das propostas do DJ e designer gráfico Nuno Coelho. "Fiz outros trabalhos com o Alexandre Soares [guitarrista dos Três Tristes Tigres] e no último, Dia Maior, ele estava em palco. Apeteceu-me dar continuidade a essa ideia de uma música que não se ouve mas que se vê fazer ouvir. A acção do Nuno Coelho em palco funciona ela própria como um solo que pontualmente se cruza com o resto", nota Né Barros.
Tal como a estrutura dos solos, que não é canónica - "há uma imprevisibilidade grande na relação entre o grupo e o solo", sublinha a coreógrafa -, também o próprio dispositivo de arranque da peça funciona à revelia das regras habituais: Solistas começa mesmo antes de começar (no início é só uma luz verde no foyer do Rivoli) e começa onde não devia começar, fora do palco, numa "extensão do ambiente inicial da peça", que se vai encaminhando para o público. Depois, mesmo quando ficam sozinhos em palco, os bailarinos não ficam sozinhos: há as paisagens sonoras de Nuno Coelho e há também os insufláveis que Né Barros usa para demarcar aquela ficção da nossa realidade. No final, é como se estivessem realmente num mundo à parte.