Arte urbana faz intervenção em cartazes de Lisboa
Zart21 organiza, câmara recusa a exposição de duas obras, por receio de processos por atentado ao pudor
As ruas de Lisboa acordaram hoje com 58 obras de arte, em outros tantos locais de publicidade - os "mupis", espaços verticais isolados de 1,85 m por 1,15m, com duas faces rotativas. Vão estar expostas até 1 de Novembro, constituindo a Arte Urbana para Intervenção, comissariada pelo colectivo Zart21. Mas deveriam ser 60 as obras expostas: as propostas de Sandro Resende e Henrique Albuquerque (dois dos membros da Zart21, juntamente com Paulo Romão Brás, João Silva, Rita Nabeiro e Isa Duarte Ribeiro) não tinham sido aprovadas até à noite de ontem pela Câmara Municipal de Lisboa, detentora dos suportes físicos para publicidade que cede graciosamente à Zart21.Sandro Resende concorda que as duas obras (a sua deveria ficar no cruzamento da Praça de Londres com a Avenida de Guerra Junqueiro, e a de Henrique Albuquerque no Largo do Rato) são "provocatórias", mas não concorda com a medida da vereação da Cultura, falando em "censura".
Em causa está uma imagem de uma mulher nua com um cérebro no lugar da vagina (Albuquerque), e outra de um homem a cortar o seu pénis com faca e garfo (Resende). A decisão final fica a cargo da vereadora da Cultura da autarquia, Maria Manuel Pinto Barbosa, que ontem à noite ainda não tinha tido oportunidade de examinar as duas imagens. De qualquer forma, o assunto foi analisado pelo departamento jurídico da câmara lisboeta, cuja opinião é claramente a favor de não permitir a exibição. Rui Cintra, assessor da vereadora, refere como razão principal o facto de se tratar de exposição no espaço público, que poderia originar processos por atentado ao pudor contra a câmara, por parte de transeuntes que se sentissem ofendidos. Em causa não estará censura, mas sim, de novo, um espaço público pelo qual a câmara é responsável. A Câmara de Lisboa, relembra Rui Cintra, apoia iniciativas artísticas com obras potencialmente polémicas - por exemplo, relembra, a exposição O Contrato Social no Museu Bordalo Pinheiro, um espaço municipal.
Quanto aos dois artistas em questão, vão apresentar duas novas propostas, que poderão levantar novas questões legais, dado que a de Sandro Resende apresentará mais "um elemento fálico", e a de Henrique Albuquerque uma Nossa Senhora com a legenda "imagem de substituição".
"Concorre quem quer"
A característica de partida desta Arte Urbana é ser totalmente aberta - Sandro Andrade explica que, nesta "grande luta contra o lobby e a galeria comercial", abriram concurso, por contacto telefónico, por Internet, pelo boca-a-boca. "Nas nossas exposições nunca temos currículos. Concorre quem quiser, jornalistas, médicos."
De entre todos os que chegam, são escolhidos seis dezenas pelos seis actuais membros do colectivo. Não havia também limitação quanto à modalidade artística, podia ser fotografia, pintura, instalação, apenas tinha que ser passada para suporte digital, a única forma de imprimir os papéis dos "mupis". Como o processo foi aberto a todos os campos das artes, ou outros, receberam projectos de pessoas de áreas como o jornalismo, a publicidade, a BD - e de várias nacionalidades. Haverá MUPIS com texto, outros com figuras, outros apenas imagens. O tema, que não havia, acaba por ser, segundo Sandro Resende, "o próprio "mupi"". A estrela pode ser a própria cidade de Lisboa. Trata-se de uma mistura entre publicidade, de forma interactiva, tentando uma chamada de atenção. Ou seja, "uma plataforma de interacção entre a arte contemporânea e as pessoas que nela habitam, num campo de experiência, de trajecto e de olhar".
A Zart21, explica, faz exposições "com 500 euros" e "não comerciais, não é para vender, é só para mostrar". Nesta iniciativa, expõe trabalhos provocatórios, que possam demonstrar a fragilidades dos seres urbanos. Após o término da exposição, a 1 de Novembro, o colectivo projecta levar a Arte Urbana para Intervenção para outras cidades. Há, avança Sandro Resende, já uma proposta de Cartagena (Espanha) e uma, "muito longínqua", de Londres. Para Lisboa, e para Março/Abril de 2006, há outro projecto, "bem encaminhado", também referente a suportes publicitários de grande porte para exterior (neste caso, os outdoors).