Mãe e tio de Joana entre a absolvição e a pena máxima
No tribunal, defrontar-se-ão duas teses. De um lado, Leonor e João Cipriano negam ter morto Joana, filha da primeira, sobrinha do segundo, e tentarão instalar a dúvida no colectivo de juízes e nos 12 jurados. Do outro, o Ministério Público, que, mesmo sem ter encontrado o corpo da menina, tentará reconstituir o crime, com base na prova científica.
Entre a absolvição ou a pena máxima estarão os dois irmãos, que os psicólogos descrevem como frios, insensíveis e narcisistas. A aldeia de Figueira, essa, aguarda com expectativa pelo final do julgamento, para se despedir da atenção mediática e apagar da memória a história de uma criança que ainda hoje os colegas da escola não percebem porque desapareceu.
O julgamento está marcado para as 9h30 horas. Será no Tribunal de Portimão, sob rigorosas medidas de segurança, que Leonor e João Cipriano irão responder aos juízes. Ambos arriscam a pena máxima, 25 anos de cadeia. O Ministério Público defende ter havido homicídio qualificado e profanação de cadáver, uma qualificação que poderá vir a ser constestada durante o julgamento. A defesa tentará apostar em duas possibilidades. Ou na alteração da qualificação jurídica - a juíza durante o inquérito já defendera não haver indícios de homicídio, mas sim de maus tratos agravados pelo resultado, o que altera significativamente a moldura penal - ou na dúvida. Sem corpo haverá sempre uma margem, ainda que ínfima, do futuro de Joana ter sido diferente. Restará, apenas, saber-se qual a convicção que Leonor e João conseguirão imprimir às suas declarações e qual a margem de dúvida que criarão nas sete pessoas que os irão julgar.
Versões contraditóriasOs seus testemunhos estão marcados, ao longo deste ano, por contradições. Leonor começou por anunciar o desaparecimento. Foi capa de jornais e em horário nobre avançou com a possibilidade de rapto. Chorou em directo, fez apelos públicos e acabou presa, por suspeita de homicídio. Na cadeia, primeiro imputou a João a total responsabilidade pela morte da criança. Depois, acusou um amigo do seu companheiro, dando conta de que teria sido ele a fazer desaparecer a criança. Mais tarde, explicou que Joana estava em casa da avó paterna, em Olhão. E ainda avançou com outra hipótese: teria sido vendida a um marroquino e levada para Espanha.
À psicóloga que a acompanhou na prisão, Leonor forneceu outras explicações. Segundo a acusação pública, disse-lhe que acreditava na possibilidade de a menor ter sido raptada por um casal de brasileiros que moravam nas imediações da sua casa.
O irmão, João, também foi fornecendo falsas pistas. Começou por referir que o corpo estaria num aterro de terra, junto à estrada que dá acesso a Meixoeira da Carregação, tendo depois explicado, à juíza que o ouviu em primeiro interrogatório, que o tinha abandonado debaixo de uma ponte, em Figueira, na direcção exactamente oposta. A explicação seguinte foi que o cadáver havia sido transportado por um seu irmão e enterrado em Poço Barreto, tendo adiantado depois que o largara num carro velho, à beira da estrada.
Teses e mais teses, com que agora os arguidos deverão ser confrontados. Fundamental também será o depoimento dos peritos médico-legais que tentarão demonstrar que as várias manchas de sangue encontradas ao longo da casa, inclusivamente no interior da arca frigorífica, terão pertencido à criança. Leonor e João poderão ainda optar por ficar calados o que, embora não os beneficie, pelo menos impede que sejam confrontados com as contradições existentes no processo. Mas só hoje, na primeira audiência, a estratégia da defesa será conhecida. Porque um volte-face e a confissão integral por parte de um ou de ambos os arguidos ainda não está completamente afastada.