Governo abdica de juros do Projecto Florestal Português
Estado renuncia a quatro milhões de euros que deveria receber pelo financiamento dado a projectos de florestação apoiados pelo Banco Mundial
O Governo vai perdoar os juros da dívida dos proprietários florestais envolvidos no Projecto Florestal Português, um plano dos anos 80 que fomentou a plantação de 60 mil hectares, sobretudo pinheiro e eucalipto, com o apoio do Banco Mundial. Serão quatro milhões de euros de que o Estado abdica para "tentar salvar o que ainda é importante", disse o secretário de Estado das Florestas.Entre 1981 e 1987, terrenos particulares e comunitários foram arborizados pelos proprietários, câmaras e entidades governamentais com o apoio do Banco Internacional para a Reconstituição e Desenvolvimento (BIRD), através do Banco Mundial. A instituição financeira disponibilizou ao Estado português 50 milhões de dólares (41 milhões de euros ao câmbio actual). Por sua vez, o Ministério da Agricultura de então estabeleceu contratos com os interessados, prevendo-se que haveria uma taxa de compensação anual de dez por cento para o Estado.
Esta taxa de juro foi estabelecida com base nas taxas bancárias que então vigoravam e partindo do princípio de que a taxa de crescimento dos preços do material lenhoso se iria situar cinco por cento acima da inflação.
Em 20 anos, estas condições mudaram consideravelmente. A partir de 1986, quando Portugal aderiu à CEE, as taxas de juro desceram muito. Por outro lado, o preço do material lenhoso foi liberalizado e não subiu para os níveis esperados. Acrescem ainda os diversos apoios comunitários à florestação, que subsidiam projectos a fundo perdido. Todos estes factores fizeram com que os beneficiários do Projecto Florestal Português ficassem em clara desvantagem face a outros.
"Agarrados" a um juro de dez por cento que, tal como estava definido no contrato celebrado com o Estado, era inegociável, os proprietários ficaram em dificuldades para amortizar a dívida. Além disso, o acordo incluía uma cláusula que tornou a situação de alguns proprietários devedores ainda mais injusta. Previa essa alínea que quem visse as suas terras devastadas por um incêndio ficava liberto da dívida. Ou seja, nada nestas disposições potenciava uma boa gestão da floresta.
Situação injusta"A situação que se vivia com este sistema, em que por força da taxa de juro desajustada, o montante da dívida privada crescia a um ritmo que dificilmente o proprietário teria garantia de poder cumprir as suas obrigações contratuais, beneficiava aqueles que, ao não cuidarem das suas matas aumentando o risco de incêndio, ganhavam com a ocorrência do fogo, libertando-se e libertando o seu terreno do "elevado ónus" que decorre deste sistema de incentivo", afirma o Ministério da Agricultura.
"Tendo em conta que este projecto era para potenciar uma gestão activa da floresta, a taxa de juro irrealista acabou por ter efeitos perversos porque acabou por ser um desincentivo", justifica Rui Nobre Gonçalves, secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas. Assim, "quem abandonou a floresta e sofreu um incêndio foi desonerado do pagamento; quem levou [o projecto] até ao fim ficou penalizado, o que potenciou o desinteresse", acrescenta.
Por todas estas razões, e para ainda "tentar salvar o que é importante", defende Rui Gonçalves, o Governo, através dos ministérios da Agricultura e das Finanças, decidiu "renunciar ao crédito de juros compensatórios definidos nos contratos ainda em vigor", lê-se no despacho conjunto, datado de 4 de Outubro, a que o PÚBLICO teve acesso.
Cumprem estas condições 555 projectos que representam 26 mil hectares de área plantada no âmbito do Projecto Florestal Português e que ainda não regularizaram a dívida. Destes, 10.964 hectares são de pinhal, 3731 hectares de eucalipto, 7363 hectares de outras espécies e cerca de quatro mil hectares não definidos.
Os beneficiários serão exclusivamente os proprietários particulares. Os quatro milhões de euros de juros perdoados dizem respeito a uma dívida remanescente ao Estado que ascende a 3,6 milhões de euros. O restante já foi amortizado ao longo dos últimos 20 anos.
A dívida do Estado português ao Banco Mundial foi regularizada a 1 de Junho de 1995.