O Homem que Sabia Demais
James Stewart e Doris Day protagonizam um thriller sobre uma inocente família que, subitamente, se vê envolvida numa conspiração internacional. Marraquexe e Londres são os destinos escolhidos por Hitchcock para construir a segunda versão de O Homem que Sabia Demais. Por Ana Filipa Gaspar
Segundo a sua filha Patricia, o interesse de Alfred Hitchcock em realizar um remake de um dos seus sucessos britânicos, O Homem que Sabia Demais (1934), manifestou-se a partir de 1941, mas a oportunidade apenas se concretizou em 1956. Tal como a primeira versão, o remake baseou-se num conto escrito por Charles Bennett e D.B. Windham Lewis, mas o argumento foi escrito por John Michael Hayes, com quem Hitch trabalhou em Janela Indiscreta e O Terceiro Tiro. O realizador apenas impôs uma condição a Hayes: não ver a versão de 1934.Assim, como o realizador comentou, "mesmo quando as coisas se parecem, não se parecem nada" e as duas versões, apesar de terem premissas semelhantes, constroem-se de modo diferente. Nas suas conversas com François Truffaut, Hitchcock disse que o primeiro filme foi realizado por um amador com talento, enquanto o segundo foi feito por um profissional.
O Homem que Sabia Demais/The Man Who Knew Too Much (1956) é um típico thriller hitchcockiano, que combina de forma genial momentos de grande tensão com curtos episódios cómicos para que o espectador não sucumba perante o ritmo dos acontecimentos. Uma inocente família americana é envolvida numa conspiração internacional, sendo obrigada a interromper as suas férias em Marraquexe (Marrocos) para viajar até Londres (Reino Unido), palco da acção principal.
É no Royal Albert Hall, na capital britânica, que decorre a sequência mais marcante do filme. Bernard Herrmann, compositor da banda sonora, é o maestro que dirige a interpretação da Cantata Storm Cloud pela Orquestra Sinfónica de Londres e pelo coro do Convent Garden. Ao longo de doze minutos, não há diálogo, apenas a crescente tensão imposta pela música e pelos movimentos dos actores. O culminar ocorre com um grito, uma batida de címbalos e um tiro, após uma complexa montagem capaz de deixar o espectador sem fôlego.
Coincidindo com o seu regresso ao Reino Unido, Alfred Hitchcock adquiriu a nacionalidade norte-americana durante nas filmagens de O Homem que Sabia Demais. A naturalização ocorreu a 20 de Abril de 1955, cerca de dez anos depois da sua mulher, Alma, ter tido essa iniciativa. Contudo, não abandonou os seus hábitos britânicos. O actor inglês Bernard Miles, que desempenha o papel do espião Edward Drayton, disse que Hitch "nunca se vestiu como um cineasta americano. Cultivava uma espécie de vulgaridade britânica, ao velho estilo, na sua maneira de estar, na sua forma de falar e na sua aparência."
O filme resume-se na frase introdutória que surge nos minutos iniciais: "Uma única batida de címbalos e como isso veio alterar a vida de uma família americana". James Stewart e Doris Day interpretam um casal apaixonado - o médico Ben McKenna e a ex-cantora Jo McKenna - que viaja com o seu pequeno filho (Hank McKenna/Christopher Olsen) até Marrocos.
Apesar da escolha de Stewart ser quase óbvia para Hitchcock (colaboraram pela terceira vez), Doris Day foi uma opção invulgar, porque era conhecida sobretudo pelos seus dotes musicais. Mas o realizador admirava o seu trabalho e acreditava que Day estava à altura das intensas cenas dramáticas do filme. Durante a rodagem, a forma como se transformou em Jo McKenna impressionou Hitchcock ao ponto deste não intervir, deixando a actriz preocupada.
Na verdade, a música também desempenha um papel crucial em O Homem que Sabia Demais. Além da inesquecível cena no Royal Music Hall, Ray Evans e Jay Livingston escreveram a canção Que Sera, Sera para Day, recebendo o Oscar desse ano para melhor canção. Segundo a lenda, após ouvi-la pela primeira vez, a actriz recusou gravar a canção. Ironicamente, tornou-se no maior sucesso da sua carreira.