Estátua de mulher grávida e deficiente concentra atenções em Londres
Alison Lapper nasceu com uma doença congénita. A escultura pode "representar um novo modelo de heroísmo feminino", diz o artista
Não tem braços, está grávida e tem umas pernas muito curtas. É uma estátua com mais de três metros de altura e retrata Alison Lapper, uma mulher deficiente de 40 anos. Está exposta em Trafalgar Square, uma das praças de Londres mais visitadas por turistas e "o coração simbólico" de Inglaterra, como escreveu o jornal Independent. Criada pelo artista Marc Quinn, a estátua gerou um intenso debate em Inglaterra e está instalada numa praça que tem no centro Horatio Nelson, herói nacional que morreu em 1805 na Batalha de Trafalgar. Durante 18 meses vai ocupar um plinto construído em 1841 para uma estátua equestre que nunca chegou a ser concluída por falta de dinheiro depois de ter sido escolhida por uma comissão criada pelo presidente da câmara de Londres, Ken Livingstone, presidido por Sandy Naime, director da National Portrait Galery.
Marc Quin, mais conhecido pelo seu auto-retrato Self para o qual usou o seu próprio sangue, nasceu em Londres em 1964, fez parte da exposição Young British Artists II de 1993 na Saatchi, onde também esteve representado durante a Sensation, a polémica exposição de 1997.
Quinn desenhou Alison Lapper quando ela estava grávida de oito meses e concebeu uma estátua em mármore branco com cerca de 3,5 metros de altura. Foram precisos quatro artesãos italianos para a esculpir durante dez meses. Também artista, Lapper nasceu com uma deficiência congénita e cresceu num lar de caridade depois de ter sido rejeitada pela mãe. Amiga de Quinn, Lapper disse: "É tão raro ver a deficiência no quotidiano, abandonada nua, grávida e orgulhosa. A escultura faz uma última declaração sobre a deficiência: uma forma de ser tão bela e válida como qualquer outra." Na inauguração disse ainda que era um tributo à feminilidade, à deficiência e à maternidade. Ela própria já tinha celebrado o seu corpo e a sua gravidez numa série de auto-retratos fotográficos.
Quinn escolheu este assunto porque, "à primeira vista, pode parecer que há poucas ou quase nenhumas esculturas públicas de pessoas com deficiências". Mas um olhar atento, acrescentou, "revela que Trafalgar Square é um dos poucos espaços públicos onde existe uma. Nelson, no topo da sua coluna, perdeu um braço. A coluna de Nelson é o epíteto de um monumento fálico masculino e achei que a praça precisava de alguma feminilidade." Para o artista o facto de Lapper estar num local público vai "forçar as pessoas a lidar com ela directamente". A estátua, diz, pode "representar um novo modelo de heroísmo feminino".
Para a Comissão dos Direitos dos Deficientes é um motivo de orgulho e uma lufada contra o culto da perfeição. "Estou muito orgulhosa por um dos sítios que atrai mais turistas em Londres ir expor uma escultura tão poderosa de uma mulher deficiente", disse a directora da comissão. Mas para alguns críticos a qualidade da obra é questionável: "Ele estava interessado no conceito e o conceito é essencialmente chocar", disse Robin Smith, editor do British Art Journal. Jonathan Jones, do diário Guardian, diz que é "subversiva" mas que o seu significado é tão "directo, óbvio, que não chega a ser arte". Já Rachel Cooke, do Observer (o suplemento dominical do Guardian), elogia as proporções elegantes da estátua e diz que Quinn, ao escolher retratar Alison nua, retratou "todas as mulheres".
Em Abril de 2007 Alison Lapper Pregnant, como é intitulada, será substituída pela escultura de Thomas Schütte, a outra obra escolhida pelos júris. Ao Guardian Quinn disse que gostaria que a escultura fosse comprada por alguém e que ficasse exposta em Londres porque acredita que é a única cidade no mundo capaz de comissariar uma obra como esta. "É uma cidade que não tem medo de correr riscos. É um sítio cheio de tradição mas também inovação, capaz de abraçar o futuro. E é uma cidade de diversidade - este trabalho também é isso."