Fátima Felgueiras libertada doze horas depois de regressar a Portugal
Fátima Felgueiras manteve, nos últimos meses, contactos com a cúpula do PS, que serviram para concertar as condições do regresso a Portugal, a par de algumas garantias recíprocas. Ontem, regressou do Brasil, esteve detida durante algumas horas, mas acabou por sair em liberdade ao princípio da noite. Pouco depois, anunciava a sua candidatura à Câmara de Felgueiras. Por José Augusto Moreira
Fátima Felgueiras arrancou ontem decisivamente para a campanha eleitoral com vista à reconquista da Câmara de Felgueiras, poucas horas depois de ter regressado a Portugal. Refugiada no Brasil durante mais de dois anos e quatro meses, para evitar a prisão preventiva que tinha sido decretada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 5 de Maio de 2003, a candidata independente foi detida em Lisboa ao final da madrugada de ontem, mas seria posta em liberdade pela juíza à qual está distribuído o processo do "saco azul" do PS, que lhe revogou aquela ordem de prisão."Sempre disse que me entregaria à justiça e foi isso que fiz", proclamou, já em claro tom de comício, à saída do tribunal, anunciando uma conferência de imprensa para pouco depois, já no conforto de um hotel da cidade, onde confirmou a sua candidatura. "Aqui estou, de viva voz, sou candidata à câmara municipal", declarou.
Fátima Felgueiras foi detida no aeroporto de Lisboa, ainda antes da 7h00, quando tinha acabado de chegar do Brasil e se preparava para iniciar novo voo com destino ao Porto. A autarca sabia que seria detida quando entrasse em solo europeu, uma vez que as autoridades portuguesas tinham emitido um mandato de detenção internacional, logo que foi conhecida a sua fuga para o Brasil, país de onde é natural, o que impedia a sua extradição.
Consciente do que a esperava, Fátima Felgueiras terá preparado meticulosamente o seu regresso, acertando estratégias de âmbito judicial mas também de natureza política. Desde sempre confrontada com o dilema do regresso - para poder defender-se em julgamento -, a autarca acabou por encarar seriamente essa possibilidade quando, em Maio último, um grupo de dissidentes do PS-Felgueiras lhe lançou o repto para encabeçar uma candidatura independente. Este movimento terá nascido do descontentamento de alguns sectores socialistas locais, que viam na preparação da candidatura oficial do PS as mesmas pessoas que rodearam a autarca nas actividades que deram origem às acusações de corrupção que desembocaram no processo do "saco azul".
Entusiasmada, Fátima Felgueiras lançou-se em contactos com os seus correligionários socialistas, ameaçando mesmo contar alguns factos comprometedores durante o julgamento. Estas movimentações funcionaram como um alerta, fazendo estremecer a candidatura oficial do PS, mas também alguns responsáveis pelo partido a nível nacional. Ao que o PÚBLICO apurou, Fátima Felgueiras manteve, nos últimos meses, contactos com a cúpula do PS, que serviram para concertar as condições do regresso a Portugal, a par de algumas garantias recíprocas.
Recorde-se que Fátima Felgueiras fez incluir Armando Vara e Narciso Miranda entre as testemunhas que apresentou para o julgamento (com início marcado para 11 de Outubro), sendo que o primeiro foi o coordenador nacional do partido para as eleições autárquicas de há quatro anos e Narciso Miranda o líder distrital do PS-Porto. Ontem, por entre reacções indignadas por parte de todos os partidos, Jorge Coelho evitou qualquer comentário hostil, limitando-se a dizer que as questões relacionadas com Fátima Felgueiras já não dizem respeito ao PS e que a justiça segue o seu caminho.
Com a retaguarda política acautelada, os colaboradores mais próximos da edil cuidaram de preparar os aspectos jurídicos do regresso. Além de uma completa inversão no discurso de afronta à justiça por parte da ex-autarca, foram igualmente colhidos pareceres de figuras insuspeitas, como Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa. Gomes Canotilho, que terá sido abordado por dirigentes máximos do PS, garante, no entanto, ter declinado a solicitação. Os pareceres contribuíram para dar a Fátima Felgueiras a confiança necessária para se entregar nas mãos da justiça, no pressuposto de que a sua inevitável detenção seria apenas temporária. De facto, as suas previsões confirmaram-se em pleno, uma vez que saiu em liberdade pouco mais de doze horas após ter chegado a Portugal.
Juíza considera que não há perigo de fuga
No seu despacho, a juíza nem sequer abordou a discutida questão da imunidade conferida aos candidatos pela lei eleitoral, ou mesmo a circunstância de Fátima ter fugido para o Brasil, limitando-se a reconhecer que não se verificam já os pressupostos da prisão preventiva, tal como requereu o advogado da ex-autarca, num requerimento que fez chegar ao tribunal ao mesmo tempo que aquela era ainda conduzida para as instalações da PJ.
Na posse de um mandado que solicitava a captura e a condução a um estabelecimento prisional, os responsáveis da PJ do Porto ainda terão equacionado essa possibilidade, mas a juíza de Felgueiras tratou de os informar de que não prescindia da presença da autarca para que lhe fosse lido o despacho judicial.
No requerimento, o advogado de Fátima Felgueiras pedia que fosse revogada a prisão preventiva, uma vez que não se verifica já o perigo de perturbação da investigação (está concluída), de continuação da prática dos crimes que lhe são imputados (não volta à câmara neste mandato), nem o perigo de fuga, uma vez que voluntariamente se apresentou à justiça para ser julgada. Esta tese foi contrariada pelo Ministério Público, entendendo que se mantém o perigo de fuga, que terá mesmo sido confirmado pelo comportamento da autarca, pelo que pedia a manutenção da prisão preventiva. Diferente, no entanto, foi a avaliação da juíza, que optou por libertar Fátima Felgueiras, impondo-lhe tão-somente a obrigatoriedade de não se ausentar do país, a par da reformulação do termo de identidade e residência.
Fátima Felgueiras vai ser julgada pela prática de 23 crimes, entre os quais os de corrupção passiva, peculato e abuso de poderes. O caso do "saco azul" diz respeito a um alegado esquema de corrupção com base na Câmara de Felgueiras, que supostamente servia para alimentar uma conta paralela do PS. A par do seu antecessor na presidência do município, o também socialista Júlio Faria, a autarca é tida como mentora do esquema, abrangendo a acusação mais trezes arguidos, entre ex-vereadores, empresários locais e colaboradores directos de Fátima Felgueiras.