estrelas do design
Irreverente, reticente e descontraído. Ontem, o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, completamente cheio, vibrou com o francês Philippe Starck, um dos mais emblemáticos e multifacetados designers da actualidade. Ele e Stefan Sagmeister vieram a Lisboa para participar nas conferências da ExperimentaDesign e mostrar alguns trabalhos
A conferência já ia na fase de interpelação do público, quando um dos designers mais conhecidos e prolíficos de sempre, conhecido pelos objectos de formas eróticas, Philippe Starck, proferiu que "o sexo pelo sexo" não lhe interessava, arrancando inevitáveis risos do público que encheu por completo, ontem, o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, no âmbito das conferências promovidas pela ExperimentaDesign. A seguir concretizou: "Mas interessa-me o sexo no contexto de uma relação calorosa." É verdade: o design pelo design já não o motivam - "fazer objectos elegantes e bonitos já era" - mas interessa-lhe o design enquanto lugar de transcendência que permite a criação de conceitos que aproximem as pessoas. O design é utilizado para comunicar aquilo que considera verdadeiramente importante, como se constata ao ver a sua última série de candeeiros, concebidos a partir de metralhadoras Kalashnikov.
O design não é indissociável da vida. Dele próprio. É assim o one man show Starck, 56 anos, a viver em Londres, responsável por projectos de design de interiores, design industrial e de equipamento, em obras omnipresentes, democráticas, lúdicas e irreverentes. Fala inglês, como foi o caso, mas o profundo sotaque denuncia a origem francesa.
À entrada do Grande Auditório existia quem se queixasse que já não havia bilhetes. O público, maioritariamente jovem, recebeu-o como uma estrela e este correspondeu. Entrou aos saltinhos, acenando, consciente do impacte que causa, mas com a dose necessária de espontaneidade que conquista de imediato.
"Estou tão cansado. Vocês não estão com muita sorte. Parece que não durmo há uma semana e não sei se não estarei até um pouco bêbedo", foram as suas primeiras palavras, criando desde logo um ambiente descontraído. Depois andou para a frente e para trás, gesticulou, deu pontapés no objecto de design mesa, atendeu o telemóvel que tocara - "deve ser a minha namorada" - e acordou um espectador supostamente a passar pelas brasas. Fez também declaração de intenções: "Não sou interessante, mas tenho um subconsciente que deixo fluir" ou "não tenho nada de interessante para dizer, porque nada me interessa."
E contou a sua história de vida. Fez-nos acreditar que é "um monge moderno", que vive apenas rodeado do essencial, ao mesmo tempo que tentou expor aquilo que pensa sobre o design sem falar, claro está, de design. "O meu trabalho é tentar perceber quem somos. Interessa-me a essência da relação entre duas pessoas", dizia ao mesmo tempo que tentava provar que a matéria, os objectos, "só existem se existir espiritualidade."
"O meu trabalho é matar o design"
Ao longo da sessão há risos, inclusive sobre si próprio, fotos tiradas por telemóveis, "sensação de vazio", como diria mais tarde um espectador que o interpela, mas também um sentido de encenação eficaz e um desassombro que interroga os limites das disciplinas e coloca em causa as certezas de quem ouve. Como aconteceu com Sérgio Martins, estudante de design: "Já sabia ao que vinha, mas mesmo assim surpreendeu-me. Tem ideias simples para questões complexas e consegue pôr-nos a pensar."
Às vezes é provocatório: "Podem perguntar-me tudo, mas o primeiro que fizer perguntas sobre design está morto", graceja, quando o público tem direito à palavra. "Não existe um estilo Starck, mas sim uma lógica e um processo que tem a ver com liberdade", diz alguém cada vez mais interessado em interrogar as sociedades ocidentais através da sua actividade e tornar o design democrático. Anulando, precisamente, a noção de design.
"Inicialmente o design era para uma elite, mas quando se tem uma boa ideia existe o dever de a multiplicar", diz quem concebeu objectos domésticos de produção em massa, caracterizados pelas formas simples e fluidas. Depois vem a estocada final: "O meu trabalho é matar o design." "Ele é conceptual, no sentido em que a sua vida é uma obra de arte, mas ao mesmo tempo compôs peças orgânicas. O seu trabalho comporta essas duas dimensões. É contraditório e fascinante por isso mesmo", há-de dizer-nos a arquitecta Maria Ribeiro.
Antes de Starck ocupou o palco o arquitecto Eduardo Souto Moura, recorrendo a uma estratégia distinta, mas também eficaz, mostrando diapositivos das suas obras e comentando-as. Em destaque esteve o Estádio Municipal de Braga e a interrogação dos limites, ténues, que separam as noções de "natural" e "artificial".
No final, afirmou que o estádio foi aceite pela população, provando-o com a imagem de uma fachada de um café onde foram recriados os traços identificativos da obra, que revelam que ela não só foi assimilada, como até já constituiu motivo de recriação. A obra deixou de pertencer ao arquitecto. A comunidade adoptou-a. A sala aplaudiu. Philippe Starck também deve ter gostado.