O Japão de Koizumi
Os resultados eleitorais de anteontem
não deixam margem para dúvidas: Koizumi conquistou uma retumbante vitória e tornou irreversível o avanço das reformas no Japão
Há 20 anos, o milagre económico japonês parecia imparável. Os mais crentes acreditavam que, mais tarde ou mais cedo, os Estados Unidos teriam de ceder a sua posição dominante na economia mundial à eficiência e rasgo dos principais conglomerados empresariais do Japão. Num ápice, porém, percebeu-se que o gigante tinha pés de barro. Nos anos 90, a deflação e a acumulação de taxas de crescimento reduzidas provaram que algo tinha de mudar para que o país pudesse acompanhar não apenas as velhas potências, mas também os novos "tigres" que gradualmente foram conquistando quotas de mercado às poderosas marcas nipónicas. Foi então que surgiu na cena política Junichiro Koizumi, que, fazendo-se eleger pelo partido que criou o modelo de sucesso que unia no mesmo abraço os tentáculos do Estado com os interesses das empresas, anunciou que, sem reformas profundas, o Japão estava condenado a perder o seu estatuto de segunda potência económica do planeta.Nos primeiros anos do seu mandato, Koizumi foi gerindo a mensagem, mantendo um equilíbrio entre os "falcões" conservadores (as suas visitas ao templo de Yasukuni, um santuário nacionalista onde estão sepultados heróis e criminosos de guerra, tinham esse propósito) e as exigências de abertura do sistema político e económico formuladas pelos sectores mais progressistas. Foi com base nesse espírito que o Japão aceitou a indicação do brasileiro Carlos Ghosn para salvar a Nissan da falência, ou começou a lançar campanhas internacionais para captar o investimento estrangeiro. Mas, para acabar de vez com o velho modelo que foi durante 50 anos a salvaguarda da poderosa burocracia do Estado e dos keiretsu (conglomerados de empresas), Koizumi sabia que não lhe bastavam o discurso reformador, o facto de apregoar a sua paixão pelos Beatles ou o seu corte de cabelo ocidentalizado. Para dar o passo seguinte, Koizumi tinha de atacar os fundamentos do modelo, e daí a sua aposta na privatização dos Correios, um símbolo do Japão do pós-guerra que se transformou na maior instituição financeira do mundo.
A privatização acabaria por ser travada no Parlamento por representantes do seu próprio partido, o que levou Koizumi a apostar no tudo ou nada, afastando os deputados que hostilizaram a proposta e convocando eleições antecipadas. O que estava essencialmente em causa era saber até que ponto as forças conservadoras representavam ou não a vontade dominante do país. Os resultados eleitorais de anteontem não deixam margem para dúvidas: Koizumi conquistou uma retumbante vitória e tornou irreversível o avanço das reformas no Japão. Nos próximos anos, não é líquido que o país consiga mostrar energia e talento para competir com a China ou a Índia, ou até se poderá encontrar uma fórmula capaz de evitar o descalabro da segurança social - o Japão é um dos países com menor taxa de crescimento populacional do mundo. De qualquer forma, o Japão que teve na competência do Estado um trunfo, parece disposto a mudar de rumo para se manter na frente. As suas marcas continuarão, sem dúvida, a fazer parte integrante do nosso quotidiano. Manuel Carvalho