Todos por Nick Cave (até Vincent Gallo) na despedida de Paredes de Coura
Quase tudo bem, na última noite de um festival que passava perfeitamente sem as fitas de Juliette Lewis
Para quem estava em Paredes de Coura há três dias e já tinha levado em cheio com o "chk-chk-chk" (leia-se jogo de ancas) dos !!!, com os aleluias dos Arcade Fire e com o peso descomunal, figurativo e abstracto, dos Pixies, a última noite da maior edição de sempre do festival tinha de servir para desacelerar. Teria de facto servido para isso, se umas quantas pessoas, Vincent Gallo incluído, não tivessem chegado na última noite expressamente para ver Nick Cave - e se Nick Cave não tivesse poder de encaixe para essa ressaca e muitas mais. Na madrugada de ontem, aliás como sempre, as canções dele não falaram de outra coisa.Foi a noite mais cheia de corpos estranhos ao festival: Juliette Lewis e os seus Licks não têm nada a dizer ao mundo, e muito menos a um público que já tinha ido à lua e vindo com demasiados concertos muito acima da média, David Eugene Edwards até nem era para estar naquele palco (os seus Woven Hand vieram transferidos do palco songwriters por causa de uma baixa nos Killing Joke) e Vincent Gallo será sempre Vincent Gallo (ou seja um ovni). Foi disso ou foi da overdose: à quarta noite consecutiva, o público parecia finalmente cansado.
Esteve distraído a ver uns The National que mereciam melhor sorte (quem cita Joy Division e Interpol assim não é gago), reagiu, mas ainda assim a olhar de lado, a essa singular reserva moral da América que é David Eugene Edwards, e depois ficou pasmado a ver Vincent Gallo (não foi para menos: às tantas Teresa Villaverde já estava em topless e havia fila à porta do quarto 310, com muitos voluntários dispostos a dar assistência técnica a Gallo em actividades ainda mais ilícitas do que as que se viram em The Brown Bunny, mas já lá vamos).
Pelo meio ainda houve Juliette Lewis, mas Paredes de Coura passava bem sem isso: a imitar PJ Harvey ainda vá (Juliette Lewis é a actriz que fez uma versão bastante aceitável de Hardly wait em Estranhos Prazeres, de Kathryn Bigelow), mas a gemer e a rastejar no chão, nessa caricatura de rock star que trouxe anteontem a um festival onde já tinha havido estrelas a sério não, obrigado. Também não podia ser tudo perfeito.
Gallo no confessionário
Antes e depois disso, esteve lá muito perto. Antes houve a performance dos Woven Hand - foi um concerto, mas também foi um violento espectáculo de spoken word em que David Eugene Edwards teve mais uma vez a alma à mostra -, depois houve Vincent Gallo no confessionário. Paredes de Coura já tinha tido a sua personagem - Nick Offer, dos !!!, demasiado normal para ser verdade fora do palco, completamente peculiar em cima dele -, mas Gallo é um mundo à parte.
Foi estranho: não tanto pelas canções, mas por de repente ele começar a contar coisas. "É bom voltar a Portugal. Já estive cá mais de 20 vezes, porque eu sou muito velho. Quando vim cá pela primeira vez, passei muito tempo com o Vasco Pimentel e com a Teresa Villaverde. E ela era tão bonita. E era esperta, e comunista, e boa pessoa. Íamos muito à praia, onde tínhamos conversas políticas complicadas. E uma vez no meio de uma dessas conversas, ela tirou a parte cima do fato de banho (...). Para vocês que são europeus é normal. Para mim foi chocante. Foi o meu melhor dia em Portugal." Ou assim, mais tarde: "A propósito, hoje vou ficar no Porto e não conheço lá ninguém. Estou no quarto 310. Se baterem três vezes, eu abro. Nada de rapazes, por favor. Eu mudei. Se bem que os portugueses sejam giros. Bem, quarto 310. Estou lá daqui a duas horas. É que nunca tive uma namorada em Portugal. Nunca nenhuma miúda portuguesa me atirou a bomba, como se diz na América. Não devia estar a dizer isto em frente à minha mulher grávida. Mas que se lixe, o filho não é meu." Não chegou a dizer qual era o hotel, mas parecia tão ansioso por ir para lá como para ver Nick Cave.
Nick Cave para fechar em beleza
O público também: foi quando ele chegou, com a mesma pose de matador de há 20 anos, mas agora mais em estilo, que Paredes de Coura acordou outra vez. Por mais que quisesse, Nick Cave nunca conseguiria fazer um mau concerto: isso é uma coisa que simplesemente não está ao alcance de canções intemporais, quase bíblicas, como Red right hand, The ship song, Tupelo, The mercy seat ou Do you love me. É justo que a melhor edição do Festival de Paredes de Coura tenha acabado com um concerto assim tão bonito, com mais violinos desgovernados e Nick Cave a fumar um cigarro (Kim Deal também saiu assim de cena). Só é pena que, tanto no caso de Nick Cave como no de Vincent Gallo, não haja imagens - oficiais, pelo menos - para comprovar que foi tudo verdade. Eles teriam ficado muito bem na fotografia.