Biólogos querem importar elefantes e leões para as planícies americanas
Parque do Pleistoceno poderia repor fauna extinta na América há 13 mil anos e contribuir para preservar espécies
Elefantes e leões entre os cowboys norte-americanos. Se o plano de um biólogo norte-americano avançar, será esta a visão nas grandes planícies americanas daqui a 50 anos, no projectado Parque do Pleistoceno.Num artigo publicado esta semana na revista Nature, o biólogo Josh Dolan e colegas da Universidade de Cornell (EUA) expõem uma ideia que vai certamente gerar polémica: a importação de grandes herbívoros e carnívoros para os estados menos povoados dos Estados Unidos.
"Se só tivermos dez minutos para apresentar a ideia, as pessoas vão pensar que estamos loucos", reconhece Harry Greene, co-autor do artigo. "Mas, se ouvirem a versão de uma hora, vão perceber que não pensaram tanto nisto como nós."
A versão de uma hora, resumida, explica as bases científicas para este programa. Os autores intitularam o projecto de Re-wilding North America, ou seja, "resselvajamento" da América do Norte.
Argumentam os autores que na era geológica do Pleistoceno (que teve início há 1,65 milhões de anos e terminou há dez mil, com o fim da última glaciação) grandes herbívoros e mamíferos vagueavam no continente norte-americano. Estes animais seriam parentes dos actuais leões, chitas, elefantes, camelos e cavalos. "Os humanos foram pelo menos parcialmente responsáveis pelas extinções no fim do Pleistoceno na América", explica o artigo.
Segue o argumento que, se os nossos antepassados foram responsáveis pela extinção, nós podemos ser responsáveis pela repopulação.
Ganhar de África noutro continente
Mas a força motriz da ideia vem de uma intensa frustração, sentida pelos biólogos e conservacionistas. A batalha contra a extinção das espécies está, apesar de todos os esforços, a ser perdida e os grandes mamíferos estão cada vez mais restritos a pequenas áreas da África e Ásia. "Os grandes mamíferos de África estão a morrer, isolados num continente onde guerras são travadas acerca de recursos escassos", continua o artigo.
Cansados de uma filosofia conservacionista que consideram negativa, os autores defendem que só uma abordagem pró-activa poderá salvar as espécies de megafauna da extinção ainda neste século.
Pode parecer paradoxal, mas a ausência de grandes predadores põe em causa a diversidade da fauna e flora. Com a extinção do lobo e do urso na América do norte, a população de veados disparou. E, como o alimento dos veados e castores é o mesmo, a população destes últimos decresceu em quase 90 por cento.
Este equilíbrio poderia ser reposto, defendem os cientistas, com a reintrodução de um predador natural como a chita, que manteria a população sob controlo. Aliás, teria sido um antepassado da chita o responsável pela evolução das velocidades do antílope americano - que atingem os 20 metros por segundo.
Os autores defendem ainda que o estabelecimento de um, ou vários, parques de vida selvagem, com uma extensão de 15 mil quilómetros quadrados, poderia dinamizar as economias estagnadas do interior americano.
"Mais de 1.5 milhões de pessoas visitam anualmente o Parque de Animais Selvagens de San Diego para verem os grandes mamíferos - mais do que o número de visitantes da maioria dos parques nacionais norte-americanos", defendem os autores. Os parques seriam geradores de emprego e riqueza, além de uma alternativa lucrativa para os rancheiros locais.
A reintrodução começaria por cavalos, burros e camelos selvagens - animais à beira da extinção na Ásia. Seguir-se-iam os elefantes e só por último carnívoros como a chita e o leão.
"Os leões comem pessoas"Os biólogos estão conscientes que é exactamente a introdução de carnívoros que irá causar a maior polémica. "Os leões comem pessoas", confirma o autor Josh Dolan. "Teria de existir uma grande mudança de atitude face aos predadores." A população teria, segundo os cientistas, de passar a ver a predação como um fenómeno natural, necessário ao equilíbrio dos ecossistemas.
Uma mudança de atitude que não estará para breve se estes predadores forem recebidos da mesma forma que os lobos. Estes predadores foram reintroduzidos no Parque Nacional de Yellowstone, no final dos anos 90. Ainda hoje há quem defenda que os lobos deveriam ser capturados e devolvidos ao Canadá, de onde são originários.
Mas, para já, a primeira tentativa vai lidar com um animal menos ameaçador. Está em curso o estudo da reintrodução da tartaruga gigante mexicana, num rancho privado no Novo México. Esta tartaruga sobrevive apenas numa pequena área no norte do México, mas esteve distribuída por todo o deserto do sudoeste americano durante o Pleistoceno.
Os biólogos sabem que existem críticos que os vão acusar de "fazerem de Deus", numa referência que faz lembrar um experiência ficcional semelhante - o Parque Jurássico. "Mas não estamos a dizer que vai ser fácil", alertou Dolan.