Um som imenso
Bernard Haitink dirigiu, segunda-feira, o concerto que pôs fim à residência da Orquestra de Jovens da União Europeia (OJUE) na Casa da Música (residência artística que havia sido prometida durante a Porto 2001 - na anterior vinda da jovem orquestra a Portugal -, para quando o edifício estivesse pronto). O mesmo concerto marcou o início duma pequena tournée em que o maestro dirigirá a OJUE em diferentes cidades europeias. O programa é composto por uma única obra: a Sétima Sinfonia de Gustav Mahler, uma das menos tocadas.
A interpretação de Haitink enfatizou o carácter contrastante das sinfonias de Mahler, que nos apresentam simultaneamente o belo (um lirismo ou, por vezes, o superficial do quotidiano vienense) e o horrendo (do simples drama ao holocausto).
Intérpretes como Haitink (ou Inbal), em cuja carreira a obra de Mahler ocupa um lugar especial, sublinham o referido contraste recorrendo amiúde a um som agreste nos metais, o que torna difícil julgar as qualidades dos jovens músicos que integram a Orquestra de Jovens da União Europeia, podendo mesmo induzir a erro o ouvinte menos informado.
Onde não houve margem para dúvidas foi no nível a que se apresentaram as cordas! ...Excelentes, afinadíssimas, "alinhadíssimas".
Em geral, o nível da orquestra deste ano é bastante bom.
Logo no primeiro andamento - um mar de som -, as cordas sobressaíram pela positiva (capazes de causar inveja a qualquer das nossas orquestras nacionais). O início da introdução prometia uma interpretação um pouco mais lenta do que o habitual, talvez mesmo um pouco maçadora (o que não viria a confirmar-se). Nos metais (e mesmo nas madeiras) a afinação não foi sempre muito clara.
No segundo andamento (a primeira Nachtmusik), os solos foram bastante melhores do que no primeiro. As cordas voltaram a impressionar pela total ausência do "efeito dominó", mesmo nos pizzicati. Momentos de rara beleza viveram-se com a subtil utilização do triângulo em piano, com um brilho extraordinário, que Haitink tão bem soube aproveitar.
Depois do Scherzo (o andamento central - também o mais curto - em torno do qual a sinfonia se organiza simetricamente: nos extremos, os andamentos mais longos, vivos e de maior amplitude sonora, separados do Scherzo por dois "nocturnos", lentos, que introduzem um pouco de música de câmara, como clareiras no âmago de uma massa orquestral), Nachtmusik II (o quarto andamento) traz consigo uma surpresa que hoje dificilmente seria possível escrever: uma guitarra e um bandolim que aparecem num único andamento.
Para não passar despercebido aos ouvintes mais distraídos, o concertino teve nova oportunidade para se afirmar como um músico muito seguro e de forte presença - um promissor violinista a seguir com atenção. Também o violoncelo solo se destacou pela positiva.
No Finale - em que a integração do "desagradável" como elemento da estética mahleriana se evidencia na imensidão de som quase dolorosa, rodeada de momentos "bonitos" - refira-se o papel dos metais que deram vida a caracteres tão diferentes com coloridos tão distintos (do agreste ao aveludado).