CAIS - a revista que tem nos vendedores a imagem de marca
Após ter corrido risco de encerramento, em 2001, a publicação distribuída por sem-abrigo lança edição de Agosto dedicada ao silêncio
Mala, boné, T-shirt ou camisola amarela com logótipo, os vendedores que a associação CAIS mantém, há mais de dez anos, nas ruas de muitas cidades portuguesas, são uma espécie de novos ardinas e a imagem de marca de um projecto editorial que hoje chega ao número 100. Vendida fora dos circuitos normais de distribuição, assumindo-se como parte da imprensa, confundindo-se com a associação do mesmo nome que a edita, a revista CAIS é um instrumento para procurar reintroduzir na sociedade "homens e mulheres à margem".
Lançada em Dezembro de 1994, com influências de publicações como a inglesa The Big Issue, ou os franceses Macadam Journal e Journal de la Rue, a CAIS começou por privilegiar o fotojornalismo, mas nos últimos anos tem dado mais espaço ao "poder da palavra". Distribuída de norte a sul do país, chega também ao arquipélago da Madeira e pode ser recebida por correio.
A imagem da revista está associada aos seus vendedores, normalmente cerca de 150 a 200, pessoas que se encontrem na condição de sem-abrigo ou risco de exclusão social. Cada um recebe 70 por cento do produto da venda e a associação CAIS (Círculo de Apoio à Integração dos Sem-Abrigo) fornece-lhes ainda formação em áreas como as novas tecnologias.
"Não desejamos que a CAIS funcione como um emprego, mas sim como uma ajuda. Como o próprio nome diz, somos um cais, somos o ponto de partida e não de chegada, funcionamos como um estaleiro, consertamos para depois vermos as embarcações partirem", diz o director da revista, Henrique Pinto, explicando assim a grande rotatividade dos vendedores.
A CAIS, afirma, permite aos "vendedores uma forma de trabalho, uma forma de comunicar com as pessoas e de deixar para trás o passado". "Oferecemos ainda a possibilidade de as pessoas contarem os seus problemas, podendo até publicar os seus textos e fotografias."
Com uma equipa remunerada de cerca de dez elementos que também trabalham noutros projectos da associação, a revista, "que sempre procurou ser mensal, ainda que por razões económicas nem sempre o tenha sido", conta com a importante colaboração de terceiros. "Desde pessoas que nos batem à porta, com ideias que consideramos interessantes, até pessoas que aceitam o nosso repto e colaboram com textos e fotografias nos temas que propomos", esclarece o director.
Henrique Pinto define a CAIS como "uma revista interventiva, nunca de entretenimento, que defende o património cultural e artístico. "Defendemos e promovemos a habitação o trabalho e a vida. Somos uma revista temática, sem fins lucrativos, que publica todo o tipo de temáticas, desde que as consideremos como património humano. Temos edições que vão desde temas científicos, até artísticos, passando pelos sociais", explica o seu director.
Risco de acabar em 2001O projecto, que nasceu com o propósito de ter custo zero, correu risco de encerramento em 2001, devido a dificuldades financeiras. No entanto, o apoio dado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, suficiente para pagar o papel de impressão, e a alteração da forma de distribuição das receitas - que, em 2002, passou a ser de 70 por cento para o vendedor contra os 80 anteriores -, equilibrou as contas e permitiu a sua continuação no mercado.
"Hoje contamos com o apoio do Centro Distrital da Segurança Social de Lisboa, que mantém o protocolo que a revista celebrou com a Santa Casa da Misericórdia, e da Lisgráfica, que até hoje nos oferece a impressão. Estes são os únicos apoios fixos que temos. Por vezes, contamos com outros, mas de forma ocasional", afirmou o director.
Para a centésima edição, o tema escolhido foi o silêncio, que, segundo o director, surgiu devido à sociedade barulhenta em que vivemos. "Apresentámos o silêncio não como oposição à cultura do barulho, mas como outra forma de comunicar. As pessoas não são obrigadas a trocarem palavras para poderem comunicar", afirmou. "Procuramos sempre temas com interesse para os leitores."
A associação faz coincidir o lançamento da revista n.º 100 com a inauguração, às 19h00, da exposição 03, Concurso de Fotografia CAIS, que estará patente até 13 de Agosto na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Lisboa.