Saltaram personagens, nomeadamente Hermia (reduzindo o quarteto amoroso a um trio) ou Hipólita, mulher do duque de Atenas, transformou-se Puck em Pekas, com pronúncia do Norte, centrou-se a acção numa descoberta do reino do sonho, por oposição ao poder do dinheiro, cristalizado em Demétrio, simplificou-se a acção para apelar a um público infantil com intenções didácticas e fortes apostas visuais: o velho moinho de Titânia, a rainha das fadas, suspenso no ar, é deslumbrante; a banda miniatura que vem pôr a urgência do tempo resulta divertida e eficaz. Toda a viagem para o reino das fadas, com uma inventada Mostarda, de feições e sotaque africanos, se faz tendo como guia um Oberon vulnerável e bonacheirão.
Quanto à "adaptação" temos, pois, aposta relativamente ganha. No entanto, o desenho, embora procure "espanholizar", com referências esporádicas ao onirismo de Salvador Dali, por exemplo, esbarra nalgum simplismo, sobretudo porque não resiste a colar-se ao imaginário visual de "Shrek" (e outros produtos da grande e imperialista produção americana, com outros meios e outra ligeireza narrativa).
"Sonho de uma Noite de São João" incorre, amiúde, numa híbrida tentativa de capitalizar o gosto dominante, inserindo, a espaços, dimensões originais, sem nunca (e daqui as nossas reticências) atingir um ritmo satisfatório para uma ficção de grandes ambições. Nos tempos áureos da animação checa, Jiri Trnka adaptara o "Sonho" em "stop-motion", intelectualizando o processo, mas com total coerência: nunca terá atingido as grandes massas de espectadores, mas instituiu-se em produto cultural alternativo.
Esta co-produção luso-espanhola (sobretudo espanhola de concepção e gosto, diga-se) fica num perigoso meio caminho: um cuidado visual "europeu", artístico e sofisticado, e uma vontade de concorrer com os "blockbusters" da animação no seu terreno preferencial, o da indústria implacável, com todos os truques afinados e uma perfeição rítmica inultrapassável. Ora, este "Sonho" custa a arrancar, tem personagens nem sempre bem definidas, sobretudo as femininas, e falha na intercalação dos "gags", previsíveis ou pouco eficazes: a intromissão das bruxas do "Macbeth" tem graça, mas apenas atingirá um público mais informado; o desmoronar das invenções, no início e no fim do filme, é denunciado e lento; temos fortes dúvidas de que o público, a que parece destinar-se, preferencialmente, a fábula, o infantil, siga com interesse as peripécias no bosque "encantado".
Dito isto, é um filme simpático, até nas suas falhas de comunicação e merece uma recepção condigna, o que não impede que lamentemos alguma emulação "industrial", que diminui o impacte do objecto sem melhorar o seu valor comercial. As vozes portuguesas, com destaque para Pedro Abrunhosa, cumprem, mas não resultam em pleno.