A primeira detonação de uma bomba nuclear foi há 60 anos
"Agora somos todos filhos da puta", comentou a seguir à explosão o cientista que organizou o ensaio realizado em Trinity, no deserto
O vento é tão quente que parece queimar no canto do deserto do Novo México (EUA), onde há 60 anos uma colossal explosão transformou em vidro esverdeado a areia e mudou o mundo. O primeiro ensaio de uma bomba atómica aconteceu ali há 60 anos, ao nascer do dia 16 de Julho de 1945, e deixou uma cratera de 800 metros de diâmetro. Foi a preparação para as bombas atómicas que em Agosto seriam lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui.No fim-de-semana em que se realizou o teste, o sítio de Trinity, em torno do qual existe hoje a Base Militar de White Sands, estava cheio de gente, recordou Kenneth Bainbridge, o cientista que coordenou a realização do ensaio, num artigo publicado em 1975 pela revista The Bulletin of Atomic Scientists, que teve Albert Einstein entre os fundadores. Pelo menos 425 convidados tinham ido ver a primeira detonação de uma bomba atómica, uma arma com que a humanidade sonhava e ao mesmo tempo temia há várias décadas.
Horas antes da detonação, Bainbridge ainda ouviu militares falar da possibilidade de a reacção nuclear em cadeia alastrar ao hidrogénio da atmosfera, transformando todo o planeta numa nova estrela. "Fiquei furioso por ouvir discutir a possibilidade de detonação da atmosfera. Essa possibilidade tinha sido discutida em Los Alamos [o laboratório no Novo México onde trabalharam os cientistas do projecto Manhattan, que produziram a bomba atómica], mas tinha sido arrasada pelos estudos intensivos de Hans Bethe e de outros", recordava em 1975.
"A bomba detonou às 5h29m45s. Senti o calor na parte de trás do pescoço, perturbantemente quente. Foi emitida muito mais luz pela bomba do que o previsto, mas foi a única previsão importante que ficou muito afastada da realidade", recordou Bainbridge. "Quando a luz reflectida diminuiu, olhei para a bola de fogo através dos óculos de protecção. Finalmente pude tirá-los e observar a bola de fogo a subir rapidamente. Estava rodeada por uma enorme nuvem de ar com um tom púrpura mas transparente, produzido em parte pelas radiações da bomba e dos produtos de fissão. Ninguém que tenha visto isto pode esquecê-lo, um espectáculo aterrador e espantoso."
O que ficou para a história foram as palavras que Robert Oppenheimer, o coordenador do projecto Manhattan, disse a seguir a explosão, equivalente a 18 megatoneladas de TNT: "Tornei-me a Morte, a destruidora de Mundos", uma passagem do poema épico hindu Bhagavad-Gita.
Mas as palavras de Bainbridge, embora menos cultivadas, também ficaram para a história da construção da bomba atómica: "Depois da onda de choque ter passado, levantei-me do chão para dar os parabéns a Oppenheimer. Terminei dizendo-lhe: "Agora somos todos filhos da puta.""
O herói caído em desgraçaA frase ficou na memória do cientista: "Oppenheimer disse à minha filha mais nova em 1966 que foi a melhor frase que alguém disse após o ensaio."
Oppenheimer tornou-se um herói nacional após este ensaio. Mas tanto ele como muitos dos restantes físicos envolvidos no projecto Manhattan sentiram-se terrivelmente culpados depois de verem a destruição que as bombas atómicas causaram em Hiroxima e Nagasáqui.
Oppenheimer reflectiu muito sobre a questão da responsabilidade moral dos cientistas quanto às consequências das suas invenções, e tornou-se um fervoroso opositor do nuclear, e acabou por cair em desgraça política. A sua lealdade aos Estados Unidos foi posta em causa: foi acusado de ser comunista e suspeito de ter passado informações confidenciais à União Soviética, durante um inquérito que tomou a aparência de um julgamento.
Uma década depois de ter conseguido produzir a bomba, foi completamente afastado do trabalho que os EUA continuaram a desenvolver na área militar e no uso da energia libertada pela cisão dos átomos.