Primeira imunização sistemática tem mais de 200 anos
Edward Jenner foi o autor da primeira tentativa científica de controlar uma doença infecciosa - a varíola - através de uma inoculação deliberada. A doença viria a ser erradicada em 1980
A prática de uma técnica denominada variolização, como tentativa de imunização contra a varíola, remonta ao século X. A varíola foi uma das mais devastadoras doenças que a humanidade conheceu: cerca de 30 por cento dos infectados não sobreviviam. Entre os métodos de variolização utilizados na China, pelo ano 1000, estavam a remoção de pele das pústulas provocadas pela doença e a redução destas a pó, que depois era inalado, explica João Feliciano, mestre em doenças transmissíveis, no artigo A vacinação e a sua história, publicado no n.º 2 dos Cadernos da Direcção-Geral da Saúde. Em 1721 Mary Wortley Montagu, aristocrata casada com o embaixador inglês na Turquia, procurou lançar em Inglaterra o método que tinha visto os turcos usar. "Inoculando o pus de um convalescente com varíola num indivíduo são, comunica-se-lhe uma varíola mais benigna" - é a ideia subjacente, relata Jean-Charles Sournia, em História da Medicina (ed. Instituto Piaget).
Mas se a relação entre a exposição a uma doença e ficar protegido de a contrair no futuro era já registada pelos egípcios, cerca de 3000 a. C., como sublinha João Feliciano, é ao médico inglês Edward Jenner que se atribui "o mérito da vacinação". "Jenner investigou uma crença, comum entre os camponeses, de que os trabalhadores que lidavam com vacas infectadas com cowpox - a varíola da espécie -, e que desenvolviam pústulas semelhantes às dos animais (uma condição benigna conhecida por vaccinia, do latim vacca), não eram contagiados com a varíola", explica no seu site (correio.fc.ul.pt/~mcg/vacinacao/historia/index.html) Manuel Carmo Gomes, da Universidade de Lisboa.
Em 1796, Jenner inoculou um rapaz de oito anos com pus retirado do braço de uma mulher infectada por uma vaca. Mais tarde, o rapaz foi inoculado com o vírus da varíola humana e não desenvolveu a doença. "O trabalho de Jenner, com a vacinação por varíola bovina, é a primeira tentativa científica para controlar uma doença infecciosa através de uma inoculação deliberada e sistemática", sustenta Feliciano.
Em França, no final do século XVIII, escolas e regimentos inteiros são vacinados e as homilias dominicais são dedicadas à vacinação. Em 1956, sob a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e através de esforços conjugados de todos os países, é lançado um programa planetário da vacinação contra a varíola. A erradicação é confirmada em 1980. Este "permanece como o único caso de erradicação global de uma doença infecciosa humana", sublinha Feliciano.
O termo vacinação continuou, no século XIX, a ser utilizado por Louis Pasteur - apesar do seu método ser distinto. "A vacinação de Jenner consiste em injectar no homem o vírus de uma doença próxima da varíola, enquanto a vacinação de Pasteur utiliza o próprio germe da doença que se pretende prevenir, depois de atenuada a sua virulência", explica Sournia. A 6 de Julho de 1885, Pasteur vacinou um jovem pastor mordido por um cão raivoso e passou a ser recordado por ter descoberto a vacina da raiva.
Poliomielite falha erradicaçãoNos décadas que se seguiram, os progressos foram enormes. Em 1974 foi criado o Programa Alargado de Vacinação, que incluía, por exemplo, as vacinas da tuberculose, poliomielite e sarampo. Objectivo: uma cobertura total das populações e grupos etários vulneráveis de todo o mundo - uma meta que ainda não foi cumprida.
A poliomielite é o próximo alvo da OMS. O prazo para eliminar esta doença, estabelecido em 1988, terminava no final de 2005. Em 88 existiam 350 mil casos em todos os continentes. Hoje são conhecidos 1255, confinados à África central, Índia e países limítrofes. Mas há casos recentes em Angola, Etiópia, Iémen e na Indonésia, onde a doença já não estava presente há anos, e que obrigam a repensar a eficácia das campanhas de vacinação. Em Outubro, vai ser reavaliada a data prevista de erradicação. Esta doença viral invade o sistema nervoso e pode paralisar uma criança
em horas. Cerca de dez por cento dos casos são mortais e uma em 200 crianças fica com lesões graves. com Ana Machado