Sinais de aviso num país de minorias descriminadas

A província do Khuzistão, onde vivem pelo menos dois milhões de árabes, é responsável pela maioria da produção petrolífera do país

Recém-eleito Presidente do Irão, o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad fez da luta contra a pobreza e da redistribuição dos lucros do petróleo a sua maior bandeira. O crude representa metade das receitas do regime, num país onde 76 por cento da riqueza é monopolizada por um décimo da população. Entre os muitos que perdem nesta equação estão os árabes, uma das minorias que o Estado tem sucessivamente marginalizado. O Khuzistão, onde a maioria vive, junta o facto de deter as maiores reservas petrolíferas da nação a ter sido palco, durante a campanha eleitoral, dos piores atentados na República Islâmica em mais de uma década.País étnica e religiosamente diverso, o Irão teocrático, tal como antes o monárquico, tem sido governado por líderes que forçam a unidade linguística, religiosa e cultural em nome da natureza persa do Estado.
As reivindicações dos vários grupos de origem não persa ou que não professam o islão xiita são idênticas. No interior de cada um há movimentos separatistas, aos quais o regime costuma imputar todas as manifestações de descontentamento, rotulando-as de acções de agentes estrangeiros. Os sinais de aviso, como as manifestações violentamente reprimidas em Abril, no Khuzistão, ou as bombas de Junho em Ahvaz, capital da província, estão dados, sem que as autoridades se tenham mostrado disponíveis a encontrar respostas.

O crude salienta as desigualdades
O Khuzistão é casa de pelo menos dois milhões de árabes, 70 por cento da população da área, e ali estão o grosso dos 132 mil milhões de barris de petróleo das reservas iranianas confirmadas, as segundas maiores do mundo. O crude que alimenta as elites salienta as desigualdades e favorece desconfianças.
"Não temos serviços básicos - as nossas crianças não recebem uma boa educação, o sistema de saúde está abaixo dos padrões. Nem sequer podemos dar a electricidade como garantida. A nossa província produz milhões de barris de petróleos por dia. Financiamos a economia mas não partilhamos da sua riqueza", descreveu à televisão Al-Jazira Hasan Ali, um residente em Ahvaz.
Segundo números publicados em Junho no jornal oficial Jomhori Eslami, 80 por cento das crianças da região sofre de malnutrição. Enquanto a taxa de iliteracia entre os não árabes está nos 20 por cento, entre os homens do Khuzistão pode ultrapassar os 60 por cento.
Uma das denúncias recorrentes dos ahwazi (árabes indígenas da região), e a que esteve na base dos protestos de Abril, prende-se com a política de deslocações populacionais, concretizada por vezes com a atribuição a persas de terras confiscadas a árabes. Numa região responsável por quase dez por cento da produção total da OPEC, o petróleo é um factor determinante no mapa.
"Somos descritos como desleais e suspeitos. Um risco para a segurança que um dia pode reclamar a terra rica em petróleo do Khuzistão", descreveu à ONU, antes dos ataques da campanha Khalid Abdian, director da Fundação para a Educação e Direitos Humanos de Ahvaz. "Só nos últimos 15 anos, mais de 250 mil hectares de terra agrícola de ahwazis foi confiscada e dada a colonos persas", acusou, numa intervenção na Sub-comissão de Promoção e Protecção de Direitos Humanos da ONU.

Hegemonia e negligências"O Irão é um ditadura teocrática dominada pela etnia persa e não permite críticas ou desafios à hegemonia [da língua] farsi. Em consequência, os árabes iranianos são vistos como o "inimigo no interior". Em geral, os árabes querem mais autonomia e isso vai da criação de uma república democrática federal à independência e ao pan-arabismo", explicou ao PÚBLICO Nasser Ban-Assad, porta-voz da British Ahwazi Friendship Society.
Para Karim Sadjadpour, analista em Teerão para o International Crisis Group, o "enorme descontentamento" no Khuzistão não deve ser nem desvalorizado nem empolado, já que "os que favorecem o separatismo estão em minoria". "[O Khuzistão] sofre de um desemprego superior à média. Os árabes da região - metade dos quais são sunitas - sentem-se negligenciados pelo Governo, não sentem ter as mesmas oportunidades que os seus compatriotas persas ou xiitas", resume à Al-Jazira.
Os ahwazi constituem um dos cinco maiores grupos populacionais do Irão, representando cerca de 3 por cento dos 68 milhões de iranianos. De acordo com o Governo, serão dois milhões. "Com base na proporção de árabes no Khuzistão, existem entre quatro e cinco milhões", diz Ban-Assad.
"A política da República Islâmica, como a sua antecessora, visa a erradicação da identidade nacional e a assimilação forçada dos árabes ahwazi, e, a um grau menor, de outras nacionalidades como a turca, curda [cerca de 7 por cento da população] ou baluchi [dois por cento]", acusou ainda Khalid Abdian.
Para Bill Samii, analista da Rádio Free Europe [financiada pelo Congresso americano], os desacatos em Ahvaz mostram como as novas autoridades serão "pouco sensatas em desvalorizar as queixas das minorias". "O regime pode esmagar a dissidência quando esta é localizada e relativamente pequena. Mas se incidentes esporádicos de tensões étnicas ocorrerem em simultâneo pelo país, ou se coincidirem com problemas laborais ou manifestações estudantis, então não terá mãos a medir", alerta.

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