Siza e Souto Moura fazem primeira obra em Londres
A prestigiada galeria Serpentine convidou Siza e Souto Moura para construir um pavilhão efémero no Hyde Park. Fica lá até Outubro
Os arquitectos portugueses Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto Moura são os autores do novo pavilhão temporário que a Serpentine Gallery constrói todos os verões em Hyde Park, Londres. É hoje inaugurado e os jornais ingleses têm-se mostrado muito entusiasmados com a primeira obra dos dois arquitectos em Inglaterra. Não é "Siza-ish", dizem surpreendidos, mas alguns, como o Times, consideram o novo pavilhão como a mais inteligente das cinco arquitecturas até aqui apresentadas, de nomes como Oscar Niemeyer, Daniel Libeskind ou Zaha Hadid. A engenharia, como em algumas obras anteriores, é de Cecil Balmond, vice-presidente da Arup.
O pavilhão é uma estrutura provisória que durante o dia abriga um café e à noite se transforma num espaço para eventos promovidos pela famosa galeria londrina (estão previstas várias conversas com arquitectos e críticos portugueses e ingleses).
O facto de ser a primeira obra dos dois em Inglaterra é um pressuposto do convite, explica ao PÚBLICO o arquitecto Eduardo Souto Moura, acabado de chegar de Londres: "O estatuto do pavilhão é esse, arquitectos estrangeiros que nunca construíram em Inglaterra." Ficará de pé até 2 de Outubro, devendo depois ser transportado para outro lugar, uma vez que "já foi vendido", acrescenta Souto Moura, desconhecendo a quem.
O pavilhão é descrito, por vários críticos de arquitectura britânicos, com metáforas zoomórficas. Mas Siza, tal como Souto Moura, diz que não faz arquitectura biológica ou que imite a natureza. "Essa referência às formas animais, naturais, está implícita em toda a arquitectura, mesmo em relação à arte que se diz abstracta essa ligação com o orgânico é irreprimível", afirma ao PÚBLICO Siza Vieira, que juntamente com Souto Moura deu na quarta-feira uma conferência para mil pessoas em Londres. Siza comenta que em Londres "essa relação com o natural é mais evidente porque a cidade está dominada pelo high-tech".
Mas a metáfora animal já foi usada pelo próprio Siza, que descreveu a atitude do edifício como predadora. É como "um animal cujas pernas estão firmemente agarradas ao chão, mas cujo corpo está tenso por causa da fome, com as costas arqueadas e a pele esticada. Com a cabeça baixa e as patas presas, permanece enraizado no local, mas pronto a movimentar-se, como se a própria Serpentine pudesse ser consumida", disse citado pelo Financial Times. Souto Moura explica que Siza utiliza muito as metáforas animais "para perceber a atitude do edifício", "serve como método para testar a forma".
Mas esse não foi o único apoio para o desenvolvimento do projecto, explica Siza. Houve também a arte povera (de pobre), por oposição ao domínio da arquitectura high-tech em Inglaterra, a pintura de Maria Helena Vieira da Silva, "a textura bastante densa do edifício", a escultura de Louise Bourgeois, "a estrutura em si com aqueles pórticos". "São encontros que vão surgindo. São apoios, mais ou menos fortes, para a expressão arquitectónica", diz Siza Vieira.
Pavilhão de madeiraO pavilhão é construído através de uma grelha de madeira, distorcida até criar uma forma curvilínea e dinâmica. A madeira acentua a relação entre o pavilhão e o parque urbano. O edifício é coberto por um plástico translúcido, deixando a luz penetrar no interior. Mas esta concha pára a mais de um metro do chão, parecendo que a estrutura flutua sobre o relvado.
"Essas deformações não foram feitas por gosto ou por expressionismo", diz Souto Moura. "A forma do edifício não é arbitrária. Um rectângulo era inviável naquele sítio. Tem uma geometria ligada ao sítio de uma forma poderosíssima", afirma. A primeira curva surgiu por causa de uma árvore que precisava de respirar; a segunda por causa de uma sebe em forma de meia elipse que era preciso completar. "Já tínhamos dois lados em curva e passámos a ter quatro para o edifício ter uma coerência". Depois, a parte de cima elevou-se numa relação com a altura da galeria. "A fachada em frente à Serpentine é vertical, uma espécie de confronto entre os dois edifícios", continua Souto Moura, o tal animal alerta de que fala Siza. O edifício muda de aparência à noite. Cada placa de plástico tem no centro uma lâmpada alimentada a energia solar, criando um círculo que contrasta com o quadriculado da estrutura. Souto Moura sublinha que é um sofisticado sistema de iluminação, feito em Hong Kong. Se o low-tech do método construtivo é um statement - as placas de madeira são apenas encostadas e ligadas por um parafuso - as lâmpadas servem para dizer que a tecnologia de ponta também pode ter o seu lugar, desde que se justifique.
O crítico de arquitectura do Financial Times lamenta que Londres não tenha ainda um edifício feito por Siza, sublinhando que a cidade é, pela primeira vez, "exposta ao trabalho deste maravilhoso desenhador". Também elogia entusiasticamente Souto Moura, "um dos melhores e mais sofisticados arquitectos a trabalhar actualmente".
Para o crítico do Times, o pavilhão de Siza e Souto Moura é talvez o mais sereno, o menos imediatamente apelativo, de toda a série, mas tem presença, exige exploração: "É mesmo, talvez, o mais inteligente."
Se para Souto Moura é o primeiro trabalho em madeira, já para Siza houve antes uma casa em Sintra e outra na Bélgica, mais recente, onde usou a madeira como revestimento. Quando escolheram o material, conta Souto Moura, "pesquisámos as construções de jardins em madeira, as construções vernaculares inglesas e japonesas". Ou, como diz Siza, "o que é a imagem de um pavilhão num jardim, uma estrutura ligeira, por onde entra o sol".