Há 20 anos, o dinheiro não resolveu a fome na Etiópia
A 13 de Julho de 1985, mais de 60 artistas juntaram-se para fazer o Live Aid: dois concertos, em Londres e em Filadélfia, angariaram cerca de 83 milhões de euros para ajudar a combater a pobreza em África, principalmente na Etiópia. Mas nem tudo foi positivo.O Live Aid conseguiu a grande proeza de sensibilizar a população mundial para o problema que se vivia em África e exigiu respostas imediatas, que se traduziram em donativos de todas as partes do mundo. O dinheiro foi convertido em medicamentos, vitaminas, alimentos, roupas e tendas, que chegaram a África em dezenas de navios, durante as semanas que se seguiram.
Bob Geldof, o grande mentor do evento, deslocou-se à Etiópia para comprovar que todo o dinheiro que tinha entregue ao governo e às ONG iria para onde estava prometido. Na altura, declarou: "Todo o dinheiro gerado foi para onde eu disse que iria - para as pessoas que precisam."
Daniel Wolf, produtor de quatro programas do Channel 4 sobre a ajuda humanitária em África, é mais céptico. Num artigo de opinião que escreveu para o jornal britânico The Spectator, Wolf critica Geldof por favorecer "a acção em vez da reflexão, os gestos em vez de um compromisso com realidades complexas".
Quando o documentário de Michael Buerk sobre a fome na Etiópia foi transmitido na BBC em Novembro de 1984, passou a ideia de que o flagelo era um desastre natural. Mas segundo Daniel Wolf, não passava de uma táctica militar do ditador Mengistu Haile Mariam, que usava os alimentos como arma de guerra, bombardeando os mercados e bloqueando as estradas para impedir a circulação de bens. Tudo para consolidar o seu território e para atrair as pessoas que estavam nas zonas rebeldes para dentro da zona que controlava. "Os métodos usados pelo exército de Mengistu destinavam-se a criar fome. E criaram", explica Wolf.
Quando o dinheiro do Live Aid chegou à Etiópia, cerca de 90 por cento foi canalizado através de Mengistu. "Numa ironia grotesca, passámos a financiar o governo que causava a fome que devíamos estar a aliviar", diz Daniel Wolf.
Apesar da polémica, o Live Aid foi um dos maiores concertos de solidariedade - e de intervenção política - de que há memória. Aumentou a consciência social da indústria musical: os artistas perceberam que podiam usar a música para causas humanitárias.
Depois de 1985, tornou-se frequente organizar concertos para ajudar grandes causas. Em Junho de 1988, o tributo aos 70 anos de Nelson Mandela angariou 1,8 milhões de euros a favor do Movimento Anti-Apartheid sul-africano e de sete instituições infantis de caridade. Em Abril de 1992, o tributo a Freddie Mercury rendeu cerca de 30 milhões de euros para o Fundo Mercury Phoenix, destinado à pesquisa sobre a sida. Hoje, vinte anos depois do Live Aid, Bob Geldof volta a estar no centro das atenções. Rita Soares