Um marco importante para a energia de fusão nuclear
Foi, finalmente, decidido que o ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor) será construído em Cadarache, no Sul de França, entre Marselha e Aix-en-Provence. Esta decisão, tomada pelos governos dos parceiros do ITER, culmina um longo processo de negociações muito duras, devido à complexidade do projecto e a uma situação de "empate técnico" entre as propostas da União Europeia (apoiada pela Rússia e China) e do Japão (apoiada pelos Estados Unidos da América e pela Coreia do Sul), as quais propunham a construção do ITER em Cadarache e Rokkasho-mura.A fusão nuclear, a fonte de energia das estrelas, apresenta grandes potencialidades para ser uma energia limpa, segura e praticamente inesgotável para os próximos séculos. Limpa, porque não há libertação de gases para a atmosfera, uma vez que os combustíveis (deutério e trítio, dois isótopos do hidrogénio) não são queimados. Segura, porque não há transporte de elementos radioactivos fora da central de fusão e porque as reacções podem ser paradas quase instantaneamente, em caso de avaria do reactor. Praticamente inesgotável, porque o deutério e o trítio são obtidos a partir, respectivamente, da água e do lítio, dois elementos muito abundantes na crosta terrestre.
O caminho desde a descoberta das reacções de fusão tem sido muito longo, devido à dificuldade em fundir os iões dos dois combustíveis num laboratório. Na fusão por confinamento magnético, princípio que serviu de base ao projecto do ITER, é necessário aquecer os reagentes até temperaturas muito elevadas (dezenas de milhões de graus centígrados), às quais os átomos de deutério e trítio estão ionizados, ou seja, divididos em iões e electrões, formando um plasma, o quarto estado da matéria. É ainda preciso impedir que o plasma toque nas paredes do recipiente onde está contido, através da acção de um campo magnético muito elevado, criado por bobinas supercondutoras.
Após a prova do conceito de confinamento magnético em experiências lineares e das potencialidades da configuração toroidal do tipo tokamak, na década de 60 do século passado, foram desenvolvidos métodos para aquecer o plasma até às temperaturas necessárias para que ocorram as reacções de fusão e para manter um número adequado de reacções durante o tempo necessário para que se verifiquem as condições de fusão nuclear.
Só na década de 90 - 30 anos após a prova do conceito de confinamento magnético e das potencialidades dos tokamaks - duas experiências desta configuração magnética, o Tokamak Fusion Test Reactor (TFTR) e o Joint European Torus (JET), conseguiram realizar reacções controladas de fusão na Terra. O JET, a maior experiência mundial de fusão nuclear, operada pelo Acordo Europeu para o Desenvolvimento da Fusão, o qual integra o Instituto Superior Técnico, produziu 16 megawatts de potência de fusão, com um rendimento de 60 por cento.
O ITER tem, agora, duas missões muito importantes. Deverá demonstrar a viabilidade científica e técnica da energia de fusão, produzindo cerca de 500 megawatts de potência de fusão, com um rendimento de 1000 por cento a 2000 por cento, durante cerca de 300 segundos e testar a operação conjunta de todas as tecnologias necessárias para a operação de um reactor de fusão nuclear.
A construção do ITER tem uma duração prevista de dez anos, num investimento da ordem dos 5000 milhões de euros e colocará enormes desafios ao pessoal, empresas e instituições de investigação nela envolvidas. As dificuldades resultam da complexidade do projecto, do recurso a tecnologias de ponta, do facto de a maioria das contribuições dos vários parceiros ser feita em espécie (componentes e pessoal) e não em dinheiro e das diferentes culturas e estados de desenvolvimento tecnológico e industrial dos parceiros.
Portugal participou nas fases de projecto e negociações do ITER e está a preparar uma participação significativa na construção deste tokamak. O Instituto Superior Técnico, através do seu Centro de Fusão Nuclear, tem grandes hipóteses de liderar os consórcios europeus que irão fornecer diagnósticos de reflectometria de micro-ondas e instrumentação digital para controlo e aquisição de dados.
O Centro de Fusão Nuclear, nos termos do contrato de laboratório associado, vai submeter, à apreciação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, um programa de apoio à participação no ITER de outras unidades de investigação e, sobretudo, de empresas portuguesas. É que cerca de 87 por cento do orçamento de investimento da construção do ITER destina-se a contratos industriais.
A participação de Portugal no ITER é motivo de orgulho e de reconhecimento internacional, esperando-se que o tão propalado "choque tecnológico" do Governo tenha neste projecto um bom exemplo de aplicação.