Recusa de transfusão sanguínea só é possível se houver consentimento escrito
Parecer do conselho de ética sobre Testemunhas de Jeová define que
nas situações que envolvem menores prevalece o dever médico de salvar a vida
Os membros da confissão religiosa Testemunhas de Jeová só podem recusar transfusões sanguíneas, pondo em risco a sua vida, se o manifestarem de forma expressa antes do acto médico em concreto e depois de terem sido informadas das consequências dos seus actos. Nos casos de menores, pessoas com anomalia psíquica ou que estejam inconscientes prevalece o dever médico de agir para salvar a vida, considera em parecer conhecido ontem o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNEV).As Testemunhas de Jeová recusam transfusões de sangue e seus derivados com base numa interpretação de textos bíblicos. Porque a oposição é causa de conflitos entre médicos, doentes e seus familiares, o CNEV foi instado, por um hospital público, a produzir um parecer que passe a servir de orientação aos profissionais de saúde portugueses. A prática nos hospitais tem sido muito diferente, referiu ontem um dos relatores do parecer, o médico Jorge Soares.
Os membros do grupo religioso assinam por antecipação um documento conhecido como Declaração médica antecipada/isenção de responsabilidade, onde recusam o tratamento médico com recurso a transfusões. O que o conselho vem dizer é que este documento não é vinculativo, tem valor meramente "indicativo". Ou seja, para a recusa ser aceite o doente tem que dar o seu "consentimento informado", de preferência por escrito, antes do acto médico em concreto. "O consentimento tem que ser actualizado", especifica Jorge Soares, ser livre de pressões externas e o doente precisa de estar ciente das consequências do seu acto.
"Quando haja uma recusa válida, o médico e outros profissionais de saúde têm o dever de a respeitar", mesmo que a vida do doente fique em causa, lê-se no parecer sobre a "objecção ao uso de sangue e derivados para fins terapêuticos por motivos religiosos" que estará disponível no site http://www.cnecv.gov.pt.
Parecer sem "valor legal"Situação diferente é a dos doentes interditos ou com anomalia psíquica e dos menores. Mesmo que os seus representantes legais recusem a transfusão sanguínea, o dever médico de agir para salvar uma vida ou prevenir sequelas impõe-se e poderá ser retirado temporariamente o exercício do poder paternal. Foi dado o caso concreto de bebés prematuros com baixa taxa de hemoglobina e cuja recusa de transfusão pode implicar graves "sequelas motoras e funcionais". Neste caso, a transfusão faz-se.
O mesmo acontece com pacientes adultos "em situações de extrema urgência com risco de vida", em que o paciente não esteja consciente e não possa manifestar o seu consentimento. Mesmo existindo a declaração de isenção de responsabilidade, prevalece "o dever de agir consagrado na ética médica".
Raul Josefino, representante das Testemunhas de Jeová, afirma que vão "fazer o que sempre fizeram": continuarão a pedir tratamento médico que não viole as suas crenças e dos seus familiares. Ao mesmo tempo, refere, o parecer é um documento "de cariz ético, não vinculativo nem com valor legal".
O jurista Raul Josefino afirma que a Convenção de Biomedicina, ratificada por Portugal em 2000, "reconhece valor jurídico às declarações antecipadas": "Faz parte do quadro legal português." O parecer é "um instrumento precioso para reflexão, não deixa de ser apenas isso". De qualquer forma, afirma que a prática tem sido marcada por um bom relacionamento com a classe médica.