Jean Paul Sartre O que ficou do pai do existencialismo?
Sartre nasceu há 100 anos. Foi pai do existencialismo,
político anti-burguês e anti-imperialista. Sartre, o intelectual
"engagé", fazia vender jornais. Esteve ao lado da URSS,
mas a História não lhe deu razão. Ingénuo ou maldito?
Jean-Paul Sartre foi o filósofo mais popular do século XX (o seu funeral assim o testemunha - mais de 20 mil pessoas). Odiado e admirado, marcou um estilo de intervenção e de reflexão, criou o intelectual comprometido, foi escritor, activista político, dramaturgo, biógrafo.A sua obra é, de facto, "uma referência mítica na vida francesa", diz Eduardo Prado Coelho. Está mais próximo de Foucault ou de Merleau-Ponty, "embora estes rendam homenagem à figura, à força, ao estilo, à escrita, à capacidade intelectual extraordinárias de Sartre", diz.
"Começa a ser altura de lhe fazer justiça", diz André Barata, filósofo, professor na Universidade da Beira Interior. "Como filósofo, foi um pensador muito sério. A história fez um juízo sobre ele, mas não podemos permitir que isso obscureça o mérito filosófico de Sartre." Sartre, pensador que fazia vender jornais, provou como uma obra de filosofia, O Ser e o Nada, pode ser um best-seller. Mas a história não lhe deu razão e "morreu em contra-corrente", diz o editorial de Fevereiro da Histoire dedicado ao centenário de nascimento do filósofo.
Hoje, 25 anos depois da sua morte e 100 anos após o seu nascimento (na terça-feira), pergunta-se o que ficou do pai do existencialismo, do revolucionário. Ingénuo ou maldito? Vítima de uma cegueira ideológica ou historicamente enganado?
Sartre queria ser Spinoza e Stendhal, disse. Nasceu em Paris em 1905. Órfão de pai, foi um pequeno burguês que cresceu entre a biblioteca familiar e o jardim do Luxembourg. Estudou na École Normale Supérieure onde conheceu Paul Nizan e Raymond Aron. Em 1929, encontra Simone de Beauvoir, sua mulher e interlocutora intelectual. Em 1939, é convocado para a Segunda Guerra, nas sondagens meteorológicas. "Sartre aceita a guerra sem saber que ela serve senão à sua própria edificação", escreveu na Histoire o professor Michel Winock, do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
A revista Les Temps Modernes foi o primeiro passo na afirmação do conceito da literatura "engagé" (comprometida), com Merleau-Ponty, Raymond Aron, Simone de Beauvoir, Michel Leiris. Frases como: "Não queremos que nos falte nada do nosso tempo", "palavra é acção"; "a responsabilidade do escritor é produzir certas mudanças na sociedade" dão corpo à "moral da responsabilidade" de Sartre. Assim nasceu o mito. Em 1946, "Sartre reina nas letras francesas", diz Winock. "Atacam-no por todos os lados, comunistas, católicos, conservadores, mas essas polémicas ajudam à sua glória." E em Saint-Germain-des-Prés tudo era existencialista.
Em 1952, no Congresso Mundial da Paz, Sartre, "compagnon de route" dos comunistas, foi chamado de "hiena dactilógrafa". "Menos que o seu discurso na tribuna, é a sua presença que faz data: os comunistas podiam rejubilar por terem garantido à sua causa o apoio do filósofo e do escritor mais célebre do mundo", diz Winock. Viaja aos países do socialismo real - China (1955), Cuba (1960), depois Praga e Belgrado. Para Sophie Coeuré, o que fica na história é que Sartre "não viu ou não quis ver o que podia pôr em causa o modelo socialista".
Sartre afirmou que, na URSS, "a liberdade crítica é total". A sua obstinação separá-lo-á de amigos: Aron, Albert Camus, Claude Lefort e, mais dolorosa, de Merleau-Ponty. Só cortará com a URSS na invasão de Praga. Para Winock, ele continua "com as mesmas posições, socialistas, anti-burguesas, anti-americanas, anti-capitalistas, e sobretudo anti-imperialistas".
Mas o existencialismo já não está na moda: em 1966, com Foucault e Lacan chega o estruturalismo que, para Sartre, era "o combate travado pelos intelectuais, de direita e de esquerda, contra o marxismo". Participa activamente no Maio de 68, influencia gerações de jovens. Foi um "prestigiado porta-voz da grande ilusão revolucionária que assombrou as consciências depois de 1945", disse Winock. "Nada de vil nem de medíocre nesse fracasso. O sentido político de Sartre é indubitável, como a sua maneira abstracta de ver o mundo, a sua tendência para os extremos sem clarividência. Nele, o moralista ganhou sempre ao político: essa foi a sua fraqueza e a sua grandiosidade."