Reaberto nos EUA o caso Mississípi em chamas

Antigo membro do Ku Klux Klan acusado do assassínio de três jovens num dos mais mediáticos crimes racistas do "verão da liberdade"

Edgar Ray Killen assiste desde segunda-feira, sentado numa cadeira de rodas ao processo de selecção do júri que esta semana há-de começar a julgá-lo por um crime cometido há 41 anos. É acusado de, enquanto membro do grupo racista Ku Klux Klan, ter sido um dos autores de um dos mais chocantes crimes da era da luta pelos direitos cívicos dos negros nos Estados Unidos - a morte de três voluntários para acções de recenseamento eleitoral, que serviu de base para o filme Mississípi em Chamas.O processo contra Killen, hoje com 80 anos, é mais uma tentativa do estado do Mississípi para resolver casos do seu passado segregacionista e violento que ficaram em aberto. Uma amostra de como as coisas mudaram em 41 anos - são negros cerca de um terço dos 400 candidatos aos doze lugares de jurados, a mesma proporção dos 28.700 residentes do condado de Neshoba. Em 1964, muito poucos negros estavam recenseados e os júris eram quase todos integrados por brancos.
Os assassinatos de James Chaney (21 anos), Andre Goodman (20) e Michael Schwerner (24) - três jovens que estavam a promover o recenseamento de negros durante o chamado "verão da liberdade", em 1964 - acabaram por galvanizar o movimento pelos direitos cívicos e ajudaram à aprovação, nesse mesmo ano, da Acta dos Direitos Cívicos. Os acontecimentos ganharam uma dimensão que ultrapassou as fronteiras dos Estados Unidos em 1988, por causa do filme Mississípi em Chamas, de Alan Parker, com Gene Hackman e Willem Dafoe.

KKK presenteKillen, um pregador que se encontra em liberdade sob fiança, está numa cadeira de rodas por causa de uma artrite que se agravou quando em Março partiu uma perna ao cortar uma árvore. É acompanhado em permanência por uma enfermeira. Na primeira sessão, segunda-feira, nada disse à entrada na sala do tribunal, nem lá dentro.
Apesar da expectativa (até jornalistas da Suécia estão a acompanhar o julgamento em Philadelphia), não houve manifestações, mas no momento em que Killen chegou havia um homem a distribuir cartões de visita que o identificavam como J.J. Harpele, de Cordele, na Geórgia, feiticeiro imperial dos Cavaleiros Brancos Americanos do Ku Klux Klan. Apertou a mão a Killen, mas não falou com os jornalistas.
O nome de Killen está desde o início associado aos assassínios, com registos do FBI e testemunhos a indicarem que ele organizou, em 21 de Junho de 1964, uma perseguição automóvel a Goodman, Chaney e Schwerner, para interceptar a carrinha em que estes seguiam.
Os três activistas dos direitos cívicos iam a caminho de uma aldeia próxima, cuja igreja negra fora incendiada na véspera, quando foram detidos pela polícia de Philadeplhia, sob o pretexto de que seguiam em excesso de velocidade. Ficaram várias horas na esquadra até serem libertados, já de noite. Foi então que se deu a emboscada montada por homens, supostamente polícias e membros do Ku Klux Klan, que seguiam em dois automóveis.
Chaney, um negro do Mississípi, e Schwerner e Goodman, judeus brancos de Nova Iorque, foram espancados e mortos a tiro. Os cadáveres foram encontrados 44 dias depois, enterrados junto de um dique, após uma teimosa investigação de agentes do FBI, que teve de enfrentar o silêncio hostil da população branca e o sufocante calor do Verão, como Mississípi em Chamas bem ilustra.
Em 1967, Killen e outros foram julgados por violação dos direitos cívicos das vítimas. Em relação a Killen, o júri travou o caso, mas outros sete réus foram condenados, a penas inferiores a seis anos de prisão. Desde 1967, Killen nunca mais foi incomodado, vivendo tranquilamente a poucos quilómetros do local do crime. Declara-se inocente e afirma não se arrepender de nada. Jornalista da AP

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