Companhia brasileira traz teatro que fala de ciência a Portugal
Ano Internacional da Física comemorado em Lisboa e Aveiro com três peças sobre cientistas mundialmente famosos
Até há pouco mais de meia dúzia de anos, o actor brasileiro Carlos Palma não se interessava por ciência. Pelo contrário: "Não achava a menor graça." Tudo mudou em 1995: nessa altura, dedicava-se à publicidade, com Adriana Carui e os dois viram a peça Einstein, do dramaturgo canadiano Gabriel Emanuel, numa viagem ao Chile. Dois anos depois, ela comprou os direitos de apresentação no Brasil da peça. Começava aí o percurso único de um grupo de teatro dedicado a fazer peças sobre a ciência e os cientistas. A companhia Arte e Ciência no Palco, de São Paulo, está em Portugal a apresentar algumas das peças que lhe granjearam fama e quase 600 mil espectadores no Brasil.E agora, Sr. Feynman?, Copenhagen e a Dança do Universo são as peças que podem ver-se em Lisboa e Aveiro, onde vieram a convite do director do Teatro da Trindade, Carlos Fragateiro. Centram-se na vida e obra de físicos famosos, como Richard Feynman (escrita pelo americano Peter Parnell, ficciona os últimos tempos da sua vida, doente de cancro), Niels Bohr, Werner Heisenberg, Newton ou Galileu, mesmo a calhar para o Ano Internacional da Física, lançado pelas Nações Unidas para celebrar os cem anos da publicação de cinco artigos de Einstein que mudaram a física e o mundo (entre eles, dois da relatividade restrita, onde surge a famosa equação E=mc2).
Não trouxeram Einstein a Portugal, mas esta peça marcou o início de um projecto pioneiro a nível mundial. "Durante os meses em que ensaiámos a peça, comecei a ler sobre ciência, Einstein, o que ele fez. Fui vendo que perdi muito tempo ignorando a ciência. Não é chata. Chata é a maneira como se ensina", conta Carlos Palma.
A peça foi conquistando diverso tipo de público, desde estudantes a empresas. Carlos Palma e os colegas aperceberam-se de um movimento crescente de popularização da ciência. "Outras formas de linguagem podem contribuir na divulgação científica. Vimos que havia uma possibilidade de um grupo de teatro, usando a linguagem de teatro, falar da ciência."
Mas é de física, química, biologia ou matemática que querem falar, e não tanto de ciências sociais e humanas, já presentes de alguma forma no teatro, com discussões políticas ou económicas.
"Há uma visão de que não há como falar das ciências naturais em palco e tivemos a ideia de criar um projecto. Vimos que no mundo não existia um grupo que trabalhava sistematicamente essa questão", diz Carlos Palma. "A gente quer falar de ciência com linguagem de gente", acrescenta Adriana Carui.
"É um projecto único no mundo. Há um em França, Le Bateleurs de la Science, mas é ligado à universidade e mais restrito às escolas", sublinha Fragateiro.
O sucesso CopenhagenEm Portugal, a apresentação de peças com temas de ciência é esporádica. Um dos últimos casos foi Copenhaga, o mesmo texto, do britânico Michael Frayn, que o grupo brasileiro trouxe a Portugal na primeira vez que sai do Brasil. Foi a peça que deu ao grupo maior visibilidade, para além de algumas incursões pelo teatro infantil.
Em Copenhagen explora-se um encontro entre o alemão Heisenberg e o dinamarquês Bohr numa noite de Setembro de 1941, em plena II Guerra Mundial, e que pôs fim a largos anos de amizade entre ambos. Gira em torno dos dilemas morais: o cientista alemão chefiava o programa nuclear nazi (mas acabaria por não conseguir construir a bomba) e foi de propósito a Copenhaga falar com Bohr (avisá-lo do projecto alemão?). Bohr, um judeu que mais tarde foi para os EUA, acabou por participar no projecto americano da bomba nuclear, que de facto foi lançada no Japão.
Outra peça foi Quebrando Códigos, sobre o matemático Alan Turing, pioneiro da computação: chefiou a equipa britânica que decifrou o código da máquina Enigma, inventada pelos alemães na II Guerra para transmitir mensagens codificadas.
Por ser homossexual, foi condenado a tomar hormonas para reverter a sexualidade. "Ele se matou comendo uma maçã envenenada, porque gostava muito da Branca de Neve e dos Sete Anões", conta Carlos Palma. O símbolo da Apple, a maçã mordida com as cores do mundo homossexual, é uma homenagem a Alan Turing, lembra o actor.
A última peça, A Dança do Universo, do actor e dramaturgo Oswaldo Mendes, explora as vidas sofridas de diversos físicos, como Copérnico, Kepler, Galileu, Newton ou Galileu, e o conflito entre conhecer ou permanecer na ignorância.
Histórias não faltam nestes sete anos de vida em palco e digressão por todo o Brasil ("a gente viajou por 165 cidades num ano, até na Amazónia", lembra Adriana Carui). Como aquela em que um espectador se remexia na cadeira, até que no intervalo gritou que tudo o que Heisenberg disse era mentira: "Estava a ver que ia responder ao personagem", conta Adriana Carui.