De "poeta maldito" a director do Teatro Municipal da Guarda
Faz música a partir de vegetais. Animador cultural, autor, actor, encenador, cenógrafo, poeta e director do Teatro Municipal da Guarda, Américo Rodrigues ainda tem tempo para frequentar o mestrado em Ciências da Fala
Na natureza nada se perde, tudo se transforma. A velha máxima popular tem sido levada à letra por várias gerações. Muitos são os usos dados ao que a mãe natureza oferece, alguns mais inusitados do que outros: por exemplo, fazer música de pecíolos de aboboreira, "um instrumento vegetal efémero", transformado num grande "órgão de tubos". Mais de 100 pecíolos de aboboreira, mais conhecidos como o pé da aboboreira ou "trombone da aboboreira", são tocados, produzindo diferentes sons. Música vegetal, apelida o autor, que mistura os sons dos vegetais com vozes inspiradas nas diversas tradições de todo o mundo, sobretudo as xamanísticas (vivências religiosas de certos povos e tribos baseadas no culto da natureza). À música vegetal, junta-lhe a poesia sonora que completa o CD Aorta Tocante, lançado no início deste mês. São poemas que só podem ser ouvidos e jamais lidos. O projecto tem a assinatura do director do Teatro Municipal da Guarda (recentemente inaugurado), outrora rotulado "poeta maldito" entre as gentes da cidade, como se descreve o próprio Américo Rodrigues, precursor da poesia sonora.
Primeiro escrevia, depois sentiu a falta do som. "Comecei por escrever poesia, mas agora gravo. A poesia precisava de ter voz. É uma descoberta que tenho feito nos últimos tempos", justifica. Do interesse por esta arte nasceu o desejo de frequentar o mestrado de Ciências da Fala, na Universidade de Aveiro, relacionado "com a produção de voz, dos sons".
Partilha a paixão da poesia sonora com o teatro. Animador cultural, autor, actor, encenador, cenógrafo e poeta, Américo Rodrigues tem sido um dos rostos da cultura, na cidade mais alta de Portugal. Tem tempo ainda para editar discos e apresentar as suas performances. Quer fazer tudo ao mesmo tempo e, por isso, diz-se um "bom administrador de tempo". Pelos serviços prestados à cultura recebeu a Medalha de Mérito Municipal, atribuída pela autarquia da Guarda.
Na cultura, assume-se como "militante" de uma luta constante contra o "provincianismo" que, por vezes, ataca as cidades mais pequenas, sobretudo as do interior profundo de Portugal. Barafusta contra a tendência da "Guarda dos pequeninos" e alinha no movimento da "van-Guarda". É apologista de uma "programação cultural de qualidade e sistemática, sem concessão à mediocridade". "A Guarda merece tudo o que há de melhor para oferecer", enfatiza. Admite que "tem sido feito um enorme esforço, nomeadamente pelo Teatro Aquilo e pela autarquia, entre outras entidades, para que a cidade tenha manifestações culturais de grande qualidade", incluindo contemporâneas, uma lacuna noutros tempos. A abertura do teatro municipal é "um passo de gigante".
Megalómano e elitista, chamam-lhe os detractores. Reage com naturalidade a essas críticas, abraçando a batalha de "alterar essas ideias" na qual tem estado envolvido nos últimos 20 anos, dedicados a criar grupos culturais, como o Teatro Aquilo, e a fazer animação cultural, nomeadamente através da câmara municipal. Remou contra a maré numa "cidade conservadora" e foi apelidado de louco. Hoje, enquanto director do teatro municipal, procura reinventar a cultura tradicional, apostando em parcerias com agentes culturais locais.
Se, outrora, não se imaginava a viver na Guarda, agora sente o apelo às raízes. Vive numa relação de amor/ódio: "Gosto muito da Guarda, merece que alguém se esforce por ela. Mas isso não me impede de ter um discurso crítico. Só alguém que gosta muito é que pode criticar".