SL Benfica O campeonato 11 anos depois
Simão marcou de penalti, Éder assustou, com um cabeceamento certeiro, e, por fim, Joeano, no Dragão,
confirmou um título sofrido. No Bessa, a cor da festa foi vermelho-vivo. Por Manuel Assunção
A travessia do deserto do Benfica no campeonato acabou ontem. O empate a um golo no Bessa serviu a preceito aos lisboetas, que, caso fosse necessário, também se poderiam ter valido do golo de Joeano no Dragão. Onze treinadores - mais dois ou três interinos -, quatro presidentes, uma quantidade inumerável de jogadores, um sexto lugar no campeonato, duas épocas fora das competições europeias, duas Taças de Portugal e uma demolição do Estádio da Luz depois, o Benfica voltou a terminar em primeiro um campeonato nacional de futebol. Onze anos depois, a casta de Neno, João Vieira Pinto, Vítor Paneira, Hélder, Rui Costa, Mozer, Schwarz, Isaías, Abel Xavier ou Kulkov, entre outros, pode finalmente ser substituída. Os novos heróis estão identificados: Luisão, Petit, Miguel, Simão, Nuno Gomes, Ricardo Rocha, Manuel Fernandes, Mantorras, Trapattoni e mais alguns outros. Foi por eles, e também por Fehér, que os benfiquistas gritaram ontem no Bessa e em outros pontos em Portugal. Em 11 anos muita coisa mudou. Em 1994, Cavaco Silva era o primeiro-ministro e iniciavam-se em Portugal as emissões experimentais da televisão por cabo. Lá fora, a França e a Inglaterra inauguravam o Eurotúnel, Nelson Mandela tornava-se no primeiro Presidente negro da África do Sul e Ayrton Senna e Kurt Cobain morriam em circunstâncias distintas. O futebol, esse fazia a transição para outros tempos. O Brasil garantia o Mundial nos EUA e o desporto preparava-se para a "Lei Bosman".
Da última vez que o Benfica foi campeão, ainda não tinha sido aprovada a regra das três substituições. Ontem, Giovanni Trapattoni gastou as três perto do fim. Bastava-lhe o empate e o golo de Ibson no Dragão aconselhava cautela máxima. Mas o Benfica até poderia nem sequer ter cumprido os serviços mínimos, porque o FC Porto acabou por não cumprir os seus.
O argumento estava todo lá. O estádio cheio de benfiquistas e o indisfarçável cheiro a título para os "encarnados" - a descontracção de Paulo Almeida a gravar o aquecimento dos seus colegas com a câmara de vídeo indiciava confiança. O resto teria de ser feito dentro do relvado. Muito menos rápido do que levou o Nacional a marcar golos em Alvalade - e, já agora, no Dragão -, Boavista e Benfica iniciaram o seu jogo pasteloso, jogado no meio-campo, por baixo pelo líder, mais por cima o do 6.º. As coisas só aqueceram com o remate de Nuno Assis (22") e a correspondente defesa de Khadim.
Um golo à distânciaOs erros de passe na transição defesa-ataque do Boavista sucederem-se nesta altura, mas o Benfica não os ia conseguindo aproveitar, apesar da preponderante posse de bola, o seu grande objectivo para este jogo. Congelar a bola significava congelar o resultado. Aos 37", nova atrapalhação do sector recuado do Boavista deu em penalti para o Benfica - no estádio, a intervenção com o braço de Cadu não pareceu, longe disso, intencional. Simão não tremeu. O 1-0 não demorou muito. Quando se pensava que o jogo e o campeonato poderiam virar definitivamente para os lisboetas, uma falha de marcação de Luisão permitiu a Éder cabecear à vontade e restabelecer o empate após um canto (43"). Nunca um golo do Boavista gelou tanto o seu próprio estádio. O 0-0 parecia pior resultado do que o 1-1 para o Benfica. Se o Boavista já marcou um, pode marcar outro, pensava-se nas bancadas e no campo.
A segunda parte abriu com uma defesa de sonho de Khadim a remate de Simão. O Benfica, nervoso, não conseguia matar o jogo, apesar das tentativas nos livres de Petit. Nuno Assis, com um toque de calcanhar despropositado, recebia a primeira e única assobiadela dos adeptos do Benfica na noite. E o Boavista, sem nunca jogar bem, encostava-se cada vez mais, ainda que sem perigo. O tempo escoava-se e quando faltava um minuto para os 90, o Benfica marcou um golo a quilómetros de distância, na baliza de Baía. O título já não escaparia. "Muitos querem, poucos podem", lia-se numa tarja dos No Name Boys, uma das claques do Benfica.
Esta época, o Benfica foi o que pôde mais.