Portugueses procuram cada vez mais novas formas de espiritualidade

O público de actividades como o tai chi e o chi kung é sobretudo urbano, de classe média e alta

A abertura de novos espaços com prática de actividades de sons orientais - o tai chi, o chi kung, o reiki - são sintoma de um aumento "da procura de novas formas de espiritualidade" em Portugal, defende a especialista em Sociologia das Religiões Helena Vilaça.Há uns anos, espaços de actividades alternativas como a "Quinta da Calma", no Algarve, existiam para usufruto de estrangeiros que procuravam, no isolamento do espaço rural português, o local para se afastar das suas actividades e entrar em sintonia com as energias do universo. Nos últimos anos, o "Monte Mariposa", um dos primeiros a surgir nesta área, é sobretudo vocacionado e procurado por portugueses, explica Angelina Ataíde, a proprietária do monte que fica perto de Tavira, ou "guardiã", como prefere ser tratada: "O centro pertence ao universo; eu apenas o mantenho a trabalhar...".
As "para-religiões" new age - um universo de crenças de origens diversas que surgiram nos anos 60 associadas ao movimento hippie e pop - são uma miscelânea de religiões e filosofias com raízes orientais, afirma Helena Vilaça, que realizou a sua tese de doutoramento intitulada Da Torre de Babel às Terras Prometidas - Estratégias para o estudo do pluralismo religioso na sociedade portuguesa, já publicada em livro.
O new age não é uma religião, é um movimento religioso sincrético com influências várias, "desde o hinduísmo, o orientalismo até o catolicismo", que ganhou força nos anos 90 em Portugal, diz, por seu lado, Donizete Rodrigues, professor no Departamento de Sociologia da Universidade da Beira Interior, na Covilhã. Foi uma consequência da "secularização da sociedade moderna e da perda de hegemonia das igrejas históricas, do monopólio da fé", acrescenta.
Em Portugal, só depois da abertura da sociedade à liberdade de expressão trazida pelo 25 de Abril foi possível a entrada deste tipo de "para-religiões", como lhes chama Helena Vilaça, professora no Departamento de Sociologia da Universidade do Porto.
O que acontece é que o novo "mercado das religiões" permite o "nomadismo religioso", o passar-se de um movimento para outro. "Não há exclusividade" e é possível dentro da corrente religiosa preponderante, reforça Donizete Rodrigues.

Um em quatro portuguesescrê na reencarnação
Em Portugal, de acordo com o Censos 2001, 84 por cento dos portugueses viam-se como católicos. No entanto, alguns "indicadores new age" são mais altos do que em alguns países europeus, comenta Helena Vilaça. Os dados do último Inquérito Europeu de Valores, datado de 2000, registam que há 24 por cento de portugueses a crer na reencarnação, quando a média na União Europeia se fica pelos 17,6 por cento. São 25 por cento os portugueses a acreditar na telepatia, em contraste com os 21 por cento de espanhóis, mas em França estes valores atingem já os 35 por cento. Já a crença numa "força ou espírito" atinge os 15 por cento em Portugal, um valor alto, mas bastante abaixo da média europeia, que é de 33 por cento, acrescenta a docente.
Mas há diferenças entre as novas opções religiosas disponíveis na sociedade portuguesa. A adesão a "grupos religiosos minoritários considerados seitas" prolifera em contextos suburbanos, em classes sociais desfavorecidas, muitas vezes de bairros sociais; predominam mulheres, idosos, "em contextos de solidão". Já o new age é "muito sedutor para a classe média e média-alta", de círculos sociais urbanos e inclui homens, continua. "É comum altos quadros de grandes empresas no Ocidente praticarem meditação transcendental antes das reuniões". "São novas formas de estruturação do quotidiano que não são consideradas obscurantistas" e que são incorporadas como parte "da realização pessoal", o que está ligado a "uma afirmação do individualismo nas sociedades modernas contemporâneas", acrescenta.
Apesar da aparente perda de espaço das religiões tradicionais, constata-se que "não é o fim das religiões", reitera Donizete. "Há novas procuras" em espaços alternativos, centros que se abrem ao espírito, à mente e em que também entra a questão alimentar (macrobiótica e vegetarianismo) como forma "de purificação e ligação corpo e espírito", junta Helena Vilaça.
Ao mesmo tempo, estas espiritualidades incorporam valores ligados à ecologia, "ao retorno à mãe natureza", explica o sociólogo. Por isso, há recurso a ambientes naturais, calmos, em que se buscam formas alternativas de alcançar a paz. Há uma descoberta de que o bem-estar material não implica bem-estar espiritual, junta o sociólogo.
Moisés Espírito Santo, sociólogo das religiões na Universidade Nova de Lisboa, afirma que o new age não é nada de novo. Retoma muitas práticas tradicionais populares, como os exorcismos, a vidência, mas redefine-as usando novas linguagens modernas e técnicas como a "transmissão de energia", "a cura pelas mãos". "O exorcista não é mais do que um praticante de reiki", remata.

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