Berlim inaugura monumento em memória dos judeus mortos
O conceito básico do memorial labiríntico é lembrar a desorientação das vítimas do Holocausto
Após 17 anos, 12 deles de intermináveis e controversas discussões e cinco para a sua construção, é hoje inaugurado em Berlim, um dia depois das cerimónias que em Moscovo assinalaram o final da Segunda Guerra Mundial, o monumento aos judeus vítimas do nacional-socialismo. Nunca nenhuma sociedade documentou de tal forma o seu maior crime. Mas também nunca antes tinha havido um Holocausto.
Concebido pelo arquitecto Peter Eisenman, o monumento é como uma floresta de 2711 blocos de betão antracite, que ocupa uma área de 19 mil metros quadrado entre a Porta de Brandeburgo e o Reichtag, a dois passos do bunker onde Adolf Hitler se suicidou a 30 de Abril de 1945. Impossível encontrar localização mais simbólica. Durante 28 anos, o terreno situou-se na chamada "terra de ninguém" adjacente ao Muro de Berlim construído pelas autoridades da Alemanha de Leste, comunista, durante a guerra fria.
O monumento, lancinante de sobriedade, demonstra que "não existe nenhum recalcamento do crime que faz parte da identidade alemã", na análise de Wolfgang Thierse, presidente do Parlamento (Bundestag), que hoje fará a inauguração oficial.
Distantes, com uma precisão prussiana, 95 centímetros uns dos outros, os pilares não permitem que duas pessoas caminhem lado a lado no interior do monumento lado a lado. O objectivo é levar o visitante a avançar sozinho, a experimentar " o que significa a solidão, a impotência , o desespero", explica Wolfgang Thierse. A sentir a desorientação das vítimas do Holocausto.
Uma história de controvérsias
Não faltaram resistências a este projecto desde os seus primeiro passos no final da década de 80, ainda antes da queda do Muro de Berlim.
A fundação para a construção do monumento criada pela jornalista televisiva Lea Rosh determinou de princípio que ele fosse em exclusivo para evocar a memória dos judeus europeus.
"O extermínio dos judeus foi o objectivo prioritário de Hitler. Era para ele mais importante do que ganhar a guerra", diz Lea Rosh. "A história da perseguição de Roma e Sinti é diferente da dos judeus, como é diferente a das vítimas da eutanásia e dos homossexuais. Se se quer perceber a história tem se de separar as coisas e homenagear individualmente as vítimas", acrescenta. Estão já programados um monumento evocativo do povo Roma e Sinti e dos homossexuais mortos durante o regime nazi.
Suícidio não é o mesmo que "solução final"
Antes do projecto de Peter Eiseman, a fundação havia optado por uma outra ideia, imaginada por Christine Jacob-Marks, que consistia em gravar numa gigantesca pedra tumular de centenas de metros os 4,2 milhões de vítimas identificadas pela fundação Yad Vaschem.
A ideia acabou por ser preterida porque Jacob-Marks pretendia utilizar na sua concepção pedra de Massada, a fortaleza israelita na qual os hebreus colectivamente se suicidaram como expressão de resistência aos romanos.
Mas o antigo chanceler Helmut Kohl determinou que seria "inadequado" colocar suicídio em paralelo com a solução final.
Em 1999 foi finalmente aprovado pelo parlamento o projecto de Peter Eisenman, com 314 votos a favor e 209 contra. Custo estimado, e rigorosamente respeitado: 27,6 milhões de euros. Deu-se assim um carácter e um peso político a uma iniciativa privada de cidadãos, com o objectivo de "manter viva a memória de um acontecimento inimaginável na história da Alemanha".
Para conferir um cariz humano a uma obra que os críticos dizem ser demasiado abstracta para suscitar reflexão sobre a temática do Holocausto, construiu-se um centro de informação subterrâneo composto por quatro salas.
Um dos espaços é dedicado ao extermínio, aos guetos, aos campos de concentração , aos locais de trabalho escravo e as marchas da morte. Noutra sala, o visitante acompanha o destino de quinze famílias, que dão um um rosto aos milhões de vítimas. Através destas biografias é possível vislumbrar a diversidade e a riqueza da vida judaica na Europa antes do Terceiro Reich.
A inauguração do Monumento aos judeus vítimas da Shoah decorrerá no mesmo dia no qual em 1933 teve lugar o primeiro auto-de-fé nazi, que destruiu pelo fogo milhares de livros colocados numa lista negra. "Onde se queimam livros acabarão por se queimar pessoas", profetizara, um século antes, o poeta Heinrich Heine.