Oliviero Toscani fotografa burros Mirandeses
Ex-director de arte da Benetton regressou a Portugal para concretizar um projecto que tinha idealizado há mais de três décadas. O resultado vai ser mostrado no festival Imaginarius, na Feira, de 16 a 19 de Junho. Por Sara Dias Oliveira (textos) e Nelson Garrido (fotos)
Aproveitou uma baliza do campo de futebol de Malhadas, aldeia do concelho de Miranda do Douro, para esticar uma longa tela branca. Montou o tripé e colocou a máquina fotográfica a postos para captar centenas de fotos. Improvisa-se o assento com uma caixa de plástico que serve de albergue para algum material. É sob esse fundo imaculadamente branco, sem qualquer tipo de adorno, debaixo de um sol intenso, que o fotógrafo italiano Oliviero Toscani, o autor da famosa campanha da Benetton, cumpre um desejo que o acompanha há 31 anos: fotografar burros como se fossem top models. O resultado final será revelado na quinta edição do Imaginarius - Festival Internacional de Teatro de Rua de Santa Maria da Feira, que terá lugar entre 16 e 19 de Junho. A inauguração da exposição está marcada para o primeiro dia do evento. O Festival Sete Sóis Sete Luas, que sempre assumiu a direcção artística da iniciativa, convidou o artista que, desta forma, teve a grande oportunidade de concretizar um sonho antigo.
Toscani retrocede no tempo. Um mês após o 25 de Abril de 1974, o fotógrafo veio a Portugal em trabalho para a revista de moda americana Vogue, altura em que constata a existência de burros numa terra perto de Lisboa, da qual não se recorda o nome. "Disse de imediato: "Era muito mais interessante fotografar burros do que os modelos". Todos se riram desta minha ideia", lembra. Um ano depois, Toscani regressa a Portugal e aí consegue fotografar um burro. "Vim fazer um catálogo para uma grande revista americana e foi quando fotografei uma senhora, toda vestida de preto, que caminhava pela estrada com um burro". Quando o convite do Imaginarius bateu à porta, revela, "não era tarde de mais para recuperar a ideia de fotografar burros". Algum tempo depois, descobre que havia uma raça autóctone de asininos nas terras de Miranda do Douro. Perfeito!
Toscani está muito bem-disposto e até brinca com o cenário. "Sou um agente especial de Berlusconi, que me pediu para fotografar a nova composição do Governo italiano". E ri-se alto da sua própria piada. Há uma camioneta que não descansa de transportar os burros disponíveis na região. Um autêntico vaivém de asininos tomou conta de Malhadas no último fim-de-semana.
Alguns animais chegam pelo próprio pé, bem junto aos donos que vestiram as roupas de domingo para também aparecerem na fotografia. Aderiram ao contacto feito, sabem que os seus animais vão aparecer numa exposição e pouco mais. E não fazem a mínima ideia de quem é o homem que coordena as operações. "Parece espanhol, mas não é, pois não?", perguntava Eduarda João, de 76 anos, que trouxe a sua burra Lanusca para posar. "A minha burra é tão bonita e claro que não me importo que seja fotografada", acrescentava. O animal causou de imediato uma enorme sensação pelo seu pêlo farto e acastanhado. Toscani pensou logo em utilizar a foto de Lanusca para a posterior divulgação do projecto.
Domingos Luas, de 90 anos, espera a sua vez. Confessa que achou o convite um pouco "estranho", mas não se incomoda que a sua burra Preta pose entre as duas barras da baliza do campo de futebol. "Aqui estão os melhores burros do país", assegura. E conhece o fotógrafo? "Nunca ouvi falar". Pela colaboração e participação, os cerca de 80 burros fotografados recebem uma ração de comida.
Recuperar o que ficou no passado
Toscani coloca os burros em posição, conversa com os donos dos animais, pergunta-lhes os nomes, elogia os "modelos". Fita vermelha à volta da testa, calças de ganga, camisa verde, sapatilhas de borracha, o fotógrafo sente-se completamente à vontade no meio do campo. "Aqui não há tempo. Há todo o tempo do mundo", confidenciava.
Praticamente todos os burros têm um nome: Salomé, Burranca, Preta, Cidália... E os que não têm, são baptizados na hora. Toscani foi, aliás, o padrinho de uma pequena burra, com cerca de 20 dias. Fez-lhe mimos, posou com ela, brincou, colocou-lhe os óculos e deu-lhe o nome de Pinóquio. "Esta história dos burros portugueses é muito bonita. É preciso mostrar este exemplo ao mundo. Agrada-me a ideia de os burros aparecerem como um símbolo. E se não é o símbolo de Portugal, é o meu símbolo". "O burro é interessante, tem personalidade, é inteligente", dizia.
Renzo Barsotti, director-geral do Sete Sóis Sete Luas, revela que uma das ideias que, neste momento, estão em estudo é a possibilidade de expor as fotos de Toscani em frente à Universidade de Roma La Sapienza, no início do próximo ano lectivo, e eventualmente à porta de algumas faculdades portuguesas. O responsável explica, por outro lado, o convite feito a Toscani: "Pela sua originalidade, pelo tipo de trabalho que desenvolve, que, no fundo, se insere um pouco na pesquisa sobre a apropriação dos espaços urbanos e da sua relação com a arte - características que se pretende dar ao Imaginarius", sustenta. Além disso, o projecto proposto pelo artista italiano encaixa-se na filosofia delineada para o evento deste ano. "A ideia é dar um passo atrás, ou seja, dar uma atenção especial e tentar recuperar determinadas coisas que abandonámos demasiado depressa", esclarece.
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