"Duelo com Miguel vai dar-me grande gozo"

Clayton dá conta da confiança do Penafiel para a recepção ao Benfica. Admite sair para o estrangeiro no final da época, quando se libertar contratualmente do Sporting, que lhe paga o ordenado juntamente com o FC Porto e a sua actual equipa. Por Matilde Rocha Dias

O ala brasileiro, que representou o FC Porto e o Sporting, depois de brilhar no Santa Clara, é um dos rostos mais marcantes da tranquilidade do Penafiel, que hoje à noite recebe o Benfica. Confiante e optimista, Clayton diz-se preparado para discutir a vitória e bater-se com Miguel, "o melhor defesa-direito do campeonato". PÚBLICO - Quando aceitou ser emprestado ao Penafiel, esperava que a época lhe corresse tão bem?
Clayton - Sabia que era um risco, pois o clube tinha acabado de subir e tinha poucos recursos. Os meus amigos temiam que fosse um passo atrás, mas, felizmente, dei ouvidos à minha intuição e fui feliz. O estilo de jogar do Penafiel assentou-me bem e as minhas capacidades até foram potenciadas ao máximo, tanto em termos de velocidade como a nível de dribles e passe de bola.
Mas tinha clubes brasileiros interessados em si...
Não queria ir para o Brasil e estava cansado de perder tempo no Sporting; qualquer clube português, por mais modesto que fosse, me parecia bem melhor do que ficar em Alvalade sem jogar. Depois, tinha grande consideração por Manuel Fernandes, na altura o treinador do Penafiel - ele lançou-me no Santa Clara e, quando fui vendido ao FC Porto, traçou para mim os voos mais altos. Acreditei que relançaria a minha carreira. Fiquei triste quando se foi embora, à segunda jornada. Mas o mister Luís Castro também é excelente.
Fala com ressentimento do Sporting.
Porque me cortaram as pernas quando mais queria e podia voar. Vou ter sempre raiva a um ou outro responsável, mas não ao clube em si, até porque sempre fui acarinhado pelos adeptos e tenho respeito pela história do Sporting. De nada me valia ficar mais um ano sem jogar; preferi ser emprestado no último ano de contrato e jogar onde confiassem em mim.
Do FC Porto, as recordações são melhores?
No FC Porto conquistei títulos, mesmo sem a regularidade que desejava. Foram três Taças de Portugal, um campeonato, uma Supertaça e uma Taça UEFA. A minha ligação ao FC Porto também chegou a um ponto sem retorno, quando Mourinho me emprestou ao Sporting por troca com o Ricardo Fernandes. Mas os pontos de orgulho anteriores superam tudo, especialmente o ano 2001/01, no qual tive uma presença muito forte e fiz cinco golos.
Quando foi para Alvalade, o FC Porto pagava uma parte do seu salário. Quem suporta, agora, esse encargo?
É o Sporting, o FC Porto e o Penafiel. É que ainda está em vigor um acerto que fiz com o FC Porto quando me transferiram para Alvalade. E a parte que cabe ao Sporting é compartilhada com o meu clube actual. Só tenho pena é de ganhar a mesma coisa. Seria fantástico ganhar três vezes o "bolo" todo [risos].
A quem pertence o seu passe?
Os meu direitos federativos são do Sporting até final desta época.
Já sabe o que fará depois de se libertar do Sporting?
Tenho propostas de Portugal e do estrangeiro. O Penafiel fez-me uma abordagem; pode ser que adquira poder de compra para me garantir, mas não posso abrir mão de tudo o que ganho, por mais carinho que tenha pelas cores que represento. Dependerá de um consenso entre as partes. O mais provável é sair para outro campeonato europeu. Espanha é o que prefiro; até pode ser que consiga ir para lá. Tenho também convites do Brasil, mas não estou interessado.
Porquê?
Tenho 29 anos e ainda quero disputar mais três anos de futebol em grande nível. Depois disso, talvez pense em jogar no meu país. Lá, não há estabilidade e os processos do futebol são incipientes. Gosto de rigor e seriedade nesta profissão.
Qual foi a estratégia do Penafiel para atingir a permanência?
Muito trabalho, espírito de sacrifício e, sobretudo, amor-próprio. Primeiro, os jornais mexeram com o nosso brio - disseram que éramos medíocres, que a equipa era um nado-morto por perder da forma que perdeu nos dois primeiros jogos e ter jogadores "gastos" juntamente com atletas só com experiência de divisões pequenas. Depois, o Manuel Fernandes saiu e entrou outro bom treinador. Foi preciso todo um trabalho de recuperação do moral. O mister Luís Castro teve papel decisivo, ao unir o grupo com um discurso arejado. Ele usa muito a expressão "família" e é nisso que nos tornámos. Luís Castro, além de saber muito de futebol, dedica-se a tempo inteiro ao trabalho. Tem personalidade forte, não dá um grito por dar nem passa a mão na cabeça de alguém só para ser simpático. Tem mesmo o grupo na mão.
Sentiu-se magoado quando o consideraram um jogador "gasto"?
Tenho 29 anos e estou em forma. Além do talento natural, o futebol precisa de experiência, calma e maturidade. Tenho tudo isso. Sei que na próxima época vou fazer uma campanha em cheio, como esta ou até melhor. Ainda não gastei as munições todas.
Vem aí o Benfica e o Penafiel não tem a pressão de ganhar...
Não é por não termos a pressão dos pontos que vamos relaxar. Vamos jogar nos limites. É uma partida com transmissão na televisão e a nossa imagem está em jogo. É fácil motivar um grupo que valoriza o profissionalismo. Nunca tivemos prémios de jogo nesta época; não lucramos financeiramente com as vitórias, daí que a nossa entrega só possa ser explicada pelo amor que temos à profissão e à nossa carreira.
Que postura espera do Benfica?
Está no primeiro lugar porque merece e, quando está em dia sim, é difícil de travar. Logo, vai ter uma postura em campo muito mais ofensiva do que a nossa. A nossa missão é encurtar-lhe os espaços e atentar nos detalhes. Não temos medo de ninguém e as vitórias frente ao Sporting e ao Braga mostraram que sabemos como agir nos jogos grandes.
Vai ter um duelo com o Miguel...
Para mim, é o melhor defesa-direito do futebol português. Tem muita força, uma percepção notável dos lances e está muito bem cotado na Europa. Tenho respeito por ele, como ele terá certamente por mim. É um duelo que me dará um gozo enorme, sobretudo por ser decisivo para o título. Queria muito estragar os planos do Benfica.
Nuno Gomes e Luisão vão fazer falta ao Benfica?
Eles têm uma "almofada" de três pontos a separá-los do segundo classificado. Vão entrar com força, mas sem nervosismos. Ansiosos vão estar quando jogarem com o Sporting e o Boavista.
O jogo esteve para se realizar em Paris. O plantel aceitava bem a ideia?
Foi melhor termos ficado em casa. Não tem a ver como o medo das bancadas vermelhas, pois já vencemos em lugares hostis, como em Alvalde. É no campo e no plano motivacional que se decidem jogos. Só que a cidade e o povo penafidelense mereciam um jogo de grande envergadura.
A quem assentaria bem o título?
O campeonato está louco; há quatro equipas com chances matemáticas de chegar ao título. Gostaria que houvesse surpresas na classificação, que o Benfica começasse a derrapar nesta jornada, em Penafiel.
Quem pratica melhor futebol deveria ser campeão?
O Sporting é, de longe, o mais espectacular dos três grandes. Mas isso não quer dizer que mereça o título. O que conta mais é a forma como as equipas aguentam a pressão. Que vença a equipa que abanar menos daqui para a frente.
Porque está o FC Porto tão abaixo do que fez nos dois últimos anos?
Porque mudou muita coisa. Não é fácil substituir jogadores fundamentais e seguir métodos de trabalho novos numa equipa que confiava de olhos fechados nos métodos e na equipa técnica anteriores.
Em que investe o dinheiro?
O meu grande investimento é uma fazenda, que está a cargo do meu pai. Tenho vários hectares de eucaliptos e plantações de café. Também me dedico ao negócio de gado bovino. Mas não sou fazendeiro no sentido clássico: em vez de andar a cavalo, vou a todo o lado de moto-quatro [risos].
Não teme a criminalidade no Brasil?
Sou de uma cidadezinha no interior de Minas Gerais, com apenas 20 mil habitantes. Não se vêem assaltos e sequestros como no Rio e em São Paulo. Sou feliz num lugar pacato, desde que os meus filhos possam usufruir de boas escolas.

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