Viagem autobiográfica no novo solo de Cláudia Dias
A bailarina e coreógrafa estreia hoje em Portugal Visita Guiada, peça que
vive de contrastes
e memórias pessoais
Visita Guiada é um trabalho de estreia - nele a bailarina e coreógrafa Cláudia Dias mostra pela primeira vez um texto da sua autoria e expõe, também pela primeira vez, algumas das suas memórias pessoais, criando uma geografia emocional a partir de lugares comuns. Quase sempre à beira-rio.O solo que hoje estreia no Teatro Mário Viegas, em Lisboa, na margem norte do Tejo, leva Cláudia Dias a passear, sobretudo, pela margem sul. Foi em Almada que nasceu e iniciou a sua formação em dança. É de lá que partem algumas das imagens que guarda de Lisboa, com a cidade vista do barco ou do cais da Trafaria.
No palco, a bailarina troca a roupa por um "figurino" feito de objectos saídos de um saco de supermercado e que habitualmente se podem encontrar nas malas de senhora: batons, cigarros, lenços de papel, tampões, pastilhas elásticas. Com eles cria uma segunda camada sobre a pele e, mais tarde, a maqueta das duas margens do rio, ligadas pela ponte.
"Pode parecer estranho, mas sinto-me muito confortável em palco por ser uma peça autobiográfica", diz Cláudia Dias. "Não há distância entre mim e o objecto artístico."
Visita Guiada, solo criado no âmbito do LAB, o projecto de pesquisa promovido pela Re.Al, estrutura dirigida pelo coreógrafo João Fiadeiro, marca o reencontro de Cláudia Dias com o movimento, o seu lado mais intuitivo, e permitiu-lhe trabalhar com Olga Mesa, coreógrafa e bailarina espanhola, e com o artista plástico português João Queiroz.
"Depois de tanto tempo a trabalhar com a técnica de composição em tempo real [em trabalhos próprios ou de João Fiadeiro], que exige muita racionalidade, foi bom trabalhar com a Olga porque ela me pôs em diálogo com o meu lado mais sensível", explica a coreógrafa. Este solo foi, segundo Dias, uma "criação assistida" por Olga Mesa, João Queiroz e João Fiadeiro. "A Olga mostrou-me, por exemplo, que uma construção meramente plástica de uma cidade não tinha nada a ver comigo", recorda. "O João Queiroz fez-me ver que, para além de forma, os objectos que tiro do saco têm conteúdo e que esse conteúdo podia ser usado na construção das duas cidades da margem do rio."
Na maqueta reconhecem-se lugares e monumentos a que Dias vai associando episódios do seu percurso pessoal e momentos da história colectiva.
Através do texto que escreveu podemos ouvi-la falar da sua relação com o mar da Costa da Caparica no Inverno, de uma breve experiência sexual, da bisavó que trabalhava na indústria conserveira, de uma travessia de cacilheiro, dos dias passados no escritório da mãe, em criança. Mas também da tragédia dos Távora, dos poemas de Voltaire sobre o terramoto de Lisboa, dos problemas laborais da margem sul. Na maqueta que vai construindo com os seus objectos há espaço para a ponte, o rio, o Cristo Rei, o Aqueduto das Águas Livres, o estaleiro da Lisnave. Os contrastes centro/periferia e Norte/Sul estão sempre presentes.
"Queria reencontra-me com o corpo e o movimento. E com memórias de lugares que sempre conheci, é por isso que durante a peça eu estou sempre na margem sul."