A intérprete a mulher que sabia demais

Sofisticado e seguro, assinou bons "thrillers" e excelentes comédias românticas, passou pelo "western" e ganhou na indústria fama de bom director de actores. Depois de "Havana", realizou com menor frequência, desdobrando-se em produtor, produtor executivo e até actor para Kubrick ou Woody Allen. Regressado com "Sabrina" (1995), limitado "remake" de Wilder, e com o curioso "Random Hearts" (1999), deu provas de resistência à mudança de códigos e de públicos.

"A Intérprete" é um excelente exemplo para avaliar da sua capacidade de "actualização": trata-se de um "thriller" fora-de-moda, com um ritmo próximo das suas obras maiores, mas com alguns pontos mortos, sobretudo nas sequências de apresentação da personagem do agente, Sean Penn, a fazer de Sean Penn, logo muito bem. O argumento é "à prova de bala": uma intérprete de uma língua centro-africana ouve por acaso uma ameaça de morte a um tirano do país onde cresceu, aliás responsável pela morte de quase toda a sua família. A partir daí, a acção passa pelos sons e pelas palavras, por sussurros e por gritos. Vamos em crescendo, até ao momento da tentativa de crime, precedido pela eliminação de rivais da suposta vítima.

Há uma reverência ao mestre, Hitchcock, cujo "Intriga Internacional" passava, inclusive, pelo mesmo cenário da sede das Nações Unidas, com a diferença de que Hitch não pôde filmar os interiores, limitando-se a "roubar" planos de fachada. É clara a rima com "O Homem Que Sabia Demais". No fundo, como em Hitchcock, toda a "intriga internacional" da protecção ao estadista estrangeiro funciona como um pretextual "McGuffin", porque o que interessa é o estudo das atmosferas (interessante a Babel reconstruída, com os cordelinhos à mostra) e das personagens, no seu jogo formal e emocional. "A Intérprete" é um "thriller" sobre as transformações operadas no género e sobre os seus limites como género "global". Há ainda uma autoreferencialidade, embora a fluência elegante deste filme "bem-comportado" se não possa comparar com a força explosiva de "Os Três Dias do Condor", por exemplo.

Dito isto, Pollack continua a enquadrar magnificamente, a equilibrar bem acção com sentimento e a gerir com eficácia os seus actores: Kidman tem o seu melhor desempenho, depois de "De Olhos Bem Fechados"; Sean Penn passeia (demasiado?) a sua "persona" pelo ecrã. Todos os secundários cumprem com sobriedade, na boa linha do profissionalismo "pollackiano". Falta a Guerra Fria, mas um argumento bem carpinteirado socorre-se de um imaginário país africano para suprir a necessária intriga. O filme repousa na figura misteriosa de Kidman e numa espécie de não nomeado tom de "drama romântico", por detrás da trama política, nunca tomando posições (será Matobo um substituto para Zimbabwe e Zuwanie um retrato de Mugabe?) ou explicando o inexplicável. Para além de uma artificiosa montagem (visual e sonora, que o som está no centro da visão), "A Intérprete" consegue algo de raro em tempo de imagens de consumo rápido e descartável: criar uma tensão que dura para além da projecção, uma força que se desprende do ecrã e perdura, interrogando as nossas percepções mais profundas.

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