"Comissão Constâncio" vai apurar o défice em seis semanas
O governador do Banco de Portugal está mandatado para fazer a estimativa da "real dimensão do défice orçamental" para 2005
O Governo anunciou ontem a constituição e o mandato de uma comissão presidida pelo governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, para avaliar "a real dimensão do défice orçamental das contas públicas em 2005". As conclusões da "comissão Constâncio" serão apresentadas ao Executivo dentro de seis semanas. Com base no que a comissão apurar, o Governo de José Sócrates irá elaborar um novo Programa de Estabilidade e Crescimento, que será discutido no Parlamento no final de Maio e depois enviado a Bruxelas. A Comissão Europeia apresentou no início desta semana uma estimativa de 4,9 por cento para o défice orçamental português em 2005; os seus cálculos incluem contudo receitas extraordinárias que não serão realizadas, e podem não comportar despesas resultantes de operações de desorçamentação. Ou seja, o défice real para 2005 pode estar bem acima dos cinco por cento.
A "comissão Constâncio" incluirá, além do governador do banco, seis técnicos do Banco de Portugal, do Instituto Nacional de Estatística e do Ministério das Finanças. É a segunda vez que Constâncio é chamado a presidir a uma comissão deste género; em 2002, o Governo de Durão Barroso pediu ao governador para analisar as contas públicas deixadas pelo Executivo de António Guterres.
Na altura, Durão Barroso fez o célebre "discurso da tanga", acusando o seu antecessor de lhe ter legado um défice incomportável. O programa de Governo de José Sócrates previa uma comissão praticamente nos mesmos moldes, que iria descobrir "o valor real do défice em 2004"; no entanto, o primeiro-ministro voltou atrás e prometeu à Assembleia da República (AR) que não faria "nada, rigorosamente nada" para pôr em causa a validação das contas públicas de 2004 por Bruxelas.
Ou seja, ao contrário da primeira "comissão Constâncio", a "comissão Constâncio II" não irá investigar as contas de anos transactos, mas apenas informar o Governo sobre a situação orçamental deste ano.
Sócrates repudiou a "tanga", e declarou ao Parlamento que esta comissão não servirá para atirar as culpas do défice para governos anteriores; o seu ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha, disse contudo na AR que a situação actual é "particularmente difícil" porque o "orçamento herdado do Governo anterior" padece de "irrealismo". Campos e Cunha declarou que o Orçamento apresentado em Outubro pelo Governo de Santana Lopes ignorava uma série de encargos, entre os quais 700 milhões de euros relativos às auto-estradas SCUT.
No comunicado emitido ontem pelo Conselho de Ministros lê-se que uma das tarefas da nova "comissão Constâncio" será precisamente considerar nos seus trabalhos "a situação de entidades que devem consolidar com o sector público administrativo, como as Estradas de Portugal, EPE".
Há três anos, a "comissão Constâncio I" já se havia debruçado sobre a questão das transferências de capital para empresas públicas, nomeadamente no sector dos transportes (como a Refer, o Metro de Lisboa ou os STCP), e o seu impacto no cálculo do défice. Essas operações não tinham sido consideradas inicialmente como despesas no cálculo do défice, o que motivou em parte o "chumbo" do Eurostat às contas públicas de 2001. A comissão encabeçada por Constâncio concluiu na altura que essa decisão do Eurostat podia constituir um "tratamento discriminatório" para com Portugal.