Os negros no país de exclusão racial
Nós, cidadãos negros portugueses, queremos não só ser beneficiados da sua futura governação mas também participar das decisões que afectam todos os cidadãos nacionais e os estrangeiros que vivem e contribuem para o país
Portugal é dito país de brandos costumes, o mesmo é dizer que acolhe carinhosamente os que também fazem parte da sua raiz genealógica, embora de matriz cultural diferente, o que não corresponde minimamente à verdade vivida no seio da sociedade portuguesa em relação aos negros, cidadãos deste país. Daí que nós afro-portugueses devemos nas circunstâncias actuais repensar o nosso posicionamento perante os partidos políticos de alternância ao poder, designadamente o PSD e PS, os quais nem sequer faziam a mais pequena referência nas suas agendas políticas eleitorais sobre as minorias negras nacionais e muito menos incluíam os seus membros nas listas de candidatos à Assembleia da República, em lugares elegíveis.É sabido que há muitos negros que têm filiação partidária e os outros são apenas simpatizantes deste ou daquele partido, mas devemos sobretudo ser militantes activos da nossa causa, em geral, e a do futuro melhor dos nossos jovens, em particular, os quais ainda não vêem a luz ao fundo do túnel. Olhar apenas para a carreira individual de cada um, sem se importar com o que acontece com a esmagadora maioria dos nossos irmãos, é um verdadeiro acto de suicídio colectivo. (...) Nenhum partido político da área do poder governamental interessa à causa dos negros deste país, todos falam da necessidade de integração, todavia quando chegam à cadeira do poder, já não querem saber de nós, mesmo dos seus fidelíssimos militantes negros. Eu que o diga em relação ao meu antigo partido - PS. Nós, negros, só podemos ganhar prestígio e conquistar visibilidade neste "jardim à beira-mar plantado", segundo o poeta, se aparecermos em massa a falar a mesma linguagem sobre os nossos direitos sonegados pelos nossos compatriotas brancos.
É escandaloso que os políticos emergentes do 25 de Abril não tenham ainda percebido que Portugal é um país multirracial desde a sua fundação e não podem continuar a ignorar esta incontornável realidade, sob pena de serem apelidados de ignorantes da génese da sua própria história como povo. O Estado Novo, à parte os erros políticos cometidos ao longo da sua existência, soube melhor interpretar a natureza do povo português do que os actuais políticos, que esqueceram o seu passado histórico, porque aquele tinha em lugares visíveis os negros, nomeadamente na Assembleia Nacional, o que não acontece na actual Assembleia da República.
Perante esta segregação inaceitável e imposta aos negros, não podemos continuar à espera que as coisas aconteçam. Temos nós que provocar os acontecimentos, porque os direitos não são uma dádiva, mas sim uma conquista consubstanciada no sofrimento. Nada é fácil neste mundo eivado de egoísmo e de preconceitos raciais, mas também nada é impossível, se nos entregarmos de corpo e alma para a sua obtenção. Vejamos o exemplo de homens como Martin Luther King, cuja luta pelos direitos cívicos está hoje a fazer progresso na sociedade americana racista.
Que nenhum de nós se convença que consegue sozinho chegar ao patamar cimeiro na sociedade portuguesa sem a força da união dos seus irmãos de raça. Pode isso casualmente acontecer, mas uma coisa é certa: não terá continuidade nos seus descendentes. Não queremos que uma estrela se apague e não apareçam outras a iluminar a nossa longa caminhada na luta por um país justo e solidário à igualdade de oportunidades para todos.
Nós, negros, não vamos aceitar viver passivamente num país cuja Constituição é contra a discriminação em função da raça (...), mas na prática somos um "Zé ninguém" nesta terra, ao contrário do que sucede em relação aos africanos brancos de origem portuguesa nos nossos países de origem. Os políticos portugueses adoram o termo de reciprocidade como pretexto para impedir o direito de voto aos imigrantes africanos lusófonos nas autárquicas em Portugal, mas já não querem aplicar a mesma regra quanto aos negros portugueses como acontece com os brancos africanos de origem portuguesa na África lusófona. Os governantes portugueses fazem enorme esforço, o que é louvável, para que os luso-descendentes possam ser integrados nos órgãos de poder nos países donde são também cidadãos nacionais, mas negam descaradamente esse mesmo direito aos negros nacionais portugueses em Portugal.
Mas agora parece ter chegado o momento de acabar com a exclusão de cidadãos negros deste país da participação nos órgãos de poder, designadamente o Parlamento, o Governo e as instituições governamentais, tais como a Comissão Nacional de Luta contra a Pobreza, a Comissão para a Igualdade de Direitos, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Programa Escolhas e o Entreculturas, os quais tratam de assuntos de interesse à comunidade negra, mas de cuja participação está excluída. Mas o mais escandaloso de tudo é que o ACIME, organismo criado para corporizar a política de integração dos imigrantes e minorias étnicas nacionais, tem sido dirigido apenas por brancos. O que não aconteceria em nenhum país europeu, contrariando a participação dos seus destinatários. Tem também gente capaz e ao mesmo nível dos brancos dirigentes neste Portugal.
Pela boca morre o peixe. Ora, na eufórica noite da vitória eleitoral do PS, o seu secretário-geral disse alto e bom som que iria governar para todos os portugueses. Ainda bem que assim seja. Mas deveria também ter presente que nós, cidadãos negros portugueses, queremos não só ser beneficiados da sua futura governação, mas também participar das decisões que afectam positiva ou negativamente todos os cidadãos nacionais e os estrangeiros que vivem e contribuem para o nosso país. É injusto e inaceitável que o poder político deste país seja partilhado apenas entre brancos e indianos, nossos compatriotas.
O PS, membro da Internacional socialista, deveria aprender a lição da verdadeira política da integração do seu congénere partido trabalhista inglês numa sociedade multirracial, a qual pretende ser justa e equilibrada no tratamento digno das pessoas de diferentes origens, cujos direitos de exercício de plena cidadania devem ser escrupulosamente respeitados de acordo com a carta magna do país. Dirigente da Associação Guineense de Solidariedade Social