STOP troca comércio pelo rock no porto

Mais de metade das oitenta fracções encerradas no centro comercial STOP, junto
ao Museu Militar, no Porto, transformaram-se em salas de ensaio. Ainda que
os grupos dinamizem o espaço, alguns lojistas queixam-se do barulho, que vem agravar problemas crónicos da superfície comercial. Por Cristina Silva Bastos

Dos andares superiores ecoa uma profusão de ritmos e arranjos instrumentais que compõem uma sinfonia bizarra. São 19 horas e o centro comercial STOP começa a acordar ao som das notas que vão recheando as pautas pela primeira vez. A superfície comercial, construída em 1982, votada a uma solidão crescente nos últimos anos, é agora "um oásis no deserto para qualquer banda que queira trabalhar a sério", garante Rui, vocalista dos Teia, uma das mais de quarenta bandas que deixaram as garagens e enchem de música as lojas antes vazias.No seu alvor, o centro comercial STOP, o segundo do Porto, a seguir ao Brasília, foi um espaço muito rentável para os comerciantes. Mas a estrutura foi envelhecendo e o conceito do centro comercial dos anos oitenta, com uma administração conjunta, mas vários proprietários, foi ultrapassada pelos grandes "shoppings" que surgiram na periferia, a partir dos anos noventa. E, em consequência, as lojas foram sendo desocupadas, consoante opção dos diferentes proprietários. Há cerca de cinco anos, porém, em vez de as manterem fechadas, alguns deles resolveram alugar as suas fracções a bandas.
Hoje, para além de abundante, o elenco de estilos que inundam o STOP é ecléctico: desde pop, jazz, rock, música étnica, heavy metal e funk. Os Repórter Estrábico e os Pluto são talvez os mais mediáticos, mas através destes corredores transportam também instrumentos os Mazzalov, os Insert Coin, The Womb, Mandrágora, Bed Noise, Falling Eden, entre muitas revelações latentes.
Quem passeia no centro comercial STOP às dez da manhã, não adivinharia, contudo, a agitação que aqui borbulha de noite. Se no rés-do-chão ainda subsistem duas mãos-cheias de lojistas resistentes à concorrência das grandes superfícies, subindo os degraus negros até ao primeiro, segundo e último andar, a oferta comercial rareia. As montras, os néons, os "placards" publicitários dão lugar a uma sucessão de lojas forradas ou pintadas a preto, aparentemente abandonadas. No entanto, estas fracções são verdadeiros recintos de ensaio e convívio para as bandas. Muitas delas têm sofás, e mesmo televisões. É o caso dos Teia. Morada: fracção 311.
"Estamos cá, sobretudo, por causa do preço. Afinal, onde é que alugamos um espaço destes por 250 euros?", pergunta o vocalista da banda, enquanto afasta a cortina, separador de tecido entre a zona de ensaios e a pequena sala orientada para a televisão. Carlos Freire, responsável pelo condomínio e segurança do STOP, concorda: "Para estes miúdos, é muito atractivo pagarem, em média, 150 euros por loja. E se não podem pagá-la sozinhos, dividem o espaço com outras bandas". Por isto, ninguém sabe ao certo quantas bandas fazem do STOP sala de ensaio.

"Ruído? Não, é música!"
Quando várias dezenas de instrumentos são percutidos, soprados ou dedilhados ao mesmo tempo, em compassos distintos, o concerto pode incomodar lojistas e clientes. A maior parte dos grupos opta então por insonorizar as salas com os meios disponíveis. "Colocámos placas de lã de rocha. Mas claro que o isolamento não resulta a 100 por cento", explica Rui, dos Teia.
Olhando para a fachada do "shopping" da Rua do Heroísmo, descobrem-se outros recursos para abafar o som. Algumas bandas recorrem a cartões de ovos, outras a plástico ou esferovite. Margarida Viana, costureira no primeiro andar, critica estas "tentativas frustradas de calar o ruído, porque dá um aspecto horrível ao centro comercial".
A preocupação com o ruído excessivo leva a administração do STOP a pedir às bandas que ensaiem apenas entre as 19 horas e as quatro da manhã. Domingaz Fernandes, proprietária de uma loja de decoração no primeiro andar, assegura, todavia, que já se viu obrigada a fechar mais cedo, porque há dias em que os grupos começam a tocar em força às quatro e meia. "Ou mesmo antes", corrige uma cliente.
Este é, de resto, um problema que também afecta Fátima, dona de um cabeleireiro no mesmo andar. "Os que afirmam que não há ruído, deviam ver o que passo aqui. Isto é um centro de barulhos!", exclama.
No rés-do-chão, a maioria dos lojistas não apresenta queixas significativas. "E se abusam, pedimos ao segurança que lhes chame a atenção e eles têm mais cuidado", conta Manuela, dona de uma loja de roupa para bebés. Já a cabeleireira Fátima salienta indignada que, quando lhes pede que reduzam o estrupido, "eles dizem-me que não mando aqui!".
Confrontado com as acusações de insolência, Nuno, guitarrista dos Snail, relembra que "as bandas movimentam centenas de pessoas, cada qual com o seu feitio e educação. Mas não somos todos assim. Não generalizemos". No seu caso, os Snail parecem dar um exemplo de bom comportamento: "os vizinhos da frente queixaram-se e, a partir daí, não tocámos mais depois da meia-noite."
Estando no último andar, os Teia raramente são abordados por causa do barulho, e Tiago, "aprendiz de bateria", reage com humor à pergunta: "Ruído?! Não, o que fazemos é música!", graceja. E diz convicto que "o STOP só se mantém aberto porque uma banda veio para cá fazer banzé, e foi seguida por outras. Até porque todas as bandas pagam o condomínio, ao contrário de alguns proprietários".
As frases

"Um oásis no deserto para qualquer banda que queira trabalhar a sério."

Rui, Vocalista dos Teia

"Os que afirmam que não há ruído, deviam ver o que passo aqui. Isto é um centro de barulhos!"

Fátima, Proprietária de um cabeleireiro no Centro Comercial STOP

"O STOP só se mantém aberto porque uma banda veio para cá fazer banzé, e foi seguida por outras."

Tiago, Baterista dos Teia

"Se tudo correr pelo melhor, daqui a um ano, a ideia [de criação de uma associação] já vai ter orientadores e corpo próprio. E estaremos mais perto de comprovar que o STOP é a Casa da Música alternativa na cidade."

idem

"O STOP não tem licenças de utilização, logo, só para estes miúdos é que não há inconveniente em instalar-se aqui."

Joaquim Mateus, proprietário de uma loja de lembranças
Ensaio dos Teia

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