Problemas ambientais potenciam aumento de doenças infecciosas

Consumo de animais selvagens foi um dos factores na origem de doenças como a sida
ou o Ébola

Doenças novas ou que já tinham desaparecido estão a emergir devido às alterações do equilíbrio ambiental do planeta, denunciam os cientistas. A perda de florestas, a construção de estradas e barragens, a actividade mineira e a poluição das águas costeiras estão a criar condições para que novos e velhos agentes patogénicos vinguem.Esta é uma das principais conclusões do balanço sobre o estado do ambiente do planeta (GEO 2004/5), ontem divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente na sua reunião anual, que decorre até sexta-feira em Nairobi, no Quénia, onde está a sede desta agência da ONU.
São várias as doenças que, recentemente, têm ceifado centenas de vidas, numa escalada que a evolução da ciência médica não fazia prever. Um exemplo de novas ameaças é o vírus Nipah, detectado pela primeira vez em 1999 numa aldeia da Malásia que lhe deu o nome. Vive nos morcegos e já voltou a surgir no Bangladesh, na Índia e no Camboja, estando classificado pelos EUA como potencial agente de bioterrorismo.
Este caso é ilustrativo de como as alterações dos habitats potenciam os problemas. Devido à desflorestação, os morcegos tiveram de procurar alimento junto das comunidades humanas, começando por contaminar os porcos, que por sua vez levaram a doença para os seus donos.
A constante conquista de terras às florestas tem potenciado problemas como o do Nipah. Ao aproximar as populações humanas dos animais que carregam as doenças, a contaminação é mais fácil. Muitas das doenças que afectam os primatas estão a chegar aos humanos. Investigações recentes, refere o relatório da ONU, relacionam os primeiros casos de Ébola com o consumo de carne de macaco. O HIV1 é também apontado como tendo tido origem no contacto com as secreções e sangue destes animais, tanto pela sua manipulação como pela própria ingestão de carne crua infectada.

O silêncio de Angola"Quando vivia em Angola, as florestas de Cabinda tinham uma enorme variedade de sons, de pássaros e primatas, mas em 2001, quando regressei, impressionou-me o silêncio", conta Jaime Nina, especialista em doenças infecciosas e tropicais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa. "A população aumentou e a produção agrícola diminuiu, pelo que aquelas populações começaram a comer tudo, as suas fontes de proteínas passaram a ser todos os animais selvagens."
Isto levou, explica, a que os caçadores entrassem em contacto com diferentes agentes patogénicos. Assim como os consumidores.
As migrações têm também um papel importante na disseminação das doenças. Além de exporem populações a doenças novas para as quais não têm resistência, também levam os vírus - quer incubados nos humanos quer nos respectivos vectores, como os mosquitos - para distantes paragens.
"Há um crescente contacto de pessoas menos preparadas para novos ambientes, que o ano inteiro estão num andar a trabalhar, e depois passam 15 dias em destinos exóticos sem se defenderem adequadamente", acrescenta Jaime Nina.
Mas a forma mais eficaz de potenciar o aumento das doenças é a ocupação humana do território. A crescente urbanização é a grande culpada pelo ressurgimento em força da dengue. De 1975 a 1995, o número de países com casos de febre hemorrágica provocada por este vírus passou de nove para 100.
Tal como a malária e a encefalite japonesa, o dengue é transmitido através da picada de mosquitos. Que adoram águas paradas, que beneficiam das alterações dos cursos de água e dos ambiente degradados. Além disso, as intervenções nos seus habitats, abrindo clareiras para a passagem de estradas, terras agrícolas ou actividades mineiras, potenciam o seu desenvolvimento e a colonização de novos espaços.
"No final da II Guerra Mundial, com as vacinas, muitos pensaram que infecções estavam vencidas e, até aos anos 80, houve uma diminuição, mas, a partir daí, recrudesceram e têm vindo sempre a aumentar", adianta Jaime Nina.
"As infecções emergentes e reemergentes devem fazer parte de uma nova preocupação política, que deve andar a par com as intervenções nas áreas da poluição, qualidade ambiental e conservação da natureza", defende a ONU.

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