Sylvie Rocha e Pedro Lima na valsa de "Inverno"
Jorge Silva Melo encena peça de Jon Fosse, no Teatro Taborda, em Lisboa
Um dia, Jon Fosse disse que se pode escrever como se toca música e esta é uma das formas possíveis de entrar no universo do dramaturgo norueguês: ouvir o seu teatro como se ouvem canções. Ou cantos de amor. Em "Vai Vir Alguém", a primeira das quatro peças de Fosse produzida pelos Artistas Unidos (AU), encenada por Solveig Nordlund em 2000, um casal refugia-se numa casa perto do mar para escapar a interferências (mas está lá a obsessão pelo outro que "vai vir"); em "Sonho de Outono" (nova encenação de Solveig, um ano depois) um homem casado reencontra num cemitério uma paixão antiga; em "A Noite Canta os Seus Cantos" (encenação do coreógrafo João Fiadeiro, em 2004) havia um casal a adiar o fim da relação.
Agora em "Inverno", a peça que os AU representam no Teatro Taborda, em Lisboa, uma encenação de Jorge Silva Melo, com Sylvie Rocha e Pedro Lima, há novamente um par - sem nome, são o Homem e a Mulher - a tentar formar-se.
O Homem é casado e tem filhos, a Mulher é solteira; encontram-se por acaso num jardim (pressentimos que já se conheciam, mas podem ser desconhecidos), ele está acossado, ela está ébria; ela diz-lhe que é a sua mulher, ele não confirma nem desmente. Depois o par desta valsa troca de papel - ele abandona a sua (verdadeira) mulher e ela, a Mulher, hesita.
São figuras desamparadas, incapazes de verbalizar (como se uma força centrífuga sugasse as palavras que tentam dizer mas não conseguem). O seu vocabulário é escasso, repetem as mesmas palavras com pequenas variações e naquilo que não dizem está tanta coisa quanto naquilo que balbuciam. Pedro Lima considera que esta é uma relação de apoio (varia quem apoia quem ao longo dos actos), "com grande pulsão sexual, à qual ele não está habituado". Sylvie Rocha olha para a sua personagem como alguém que não é daquela cidade (como ele), que foi humilhada mas não se lamenta, "está resignada". Há uma cena final em que os vemos juntos na cama mas nenhum dos actores diz com certeza que a relação vai continuar.
Sylvie Rocha, que regressa ao teatro de Jon Fosse depois de ter interpretado um pequeno papel em "Sonho de Outono", fala da sua admiração pela escrita do norueguês: "O que mais gosto e admiro neste tipo de texto é o lado poético, o prazer da sonoridade e das palavras." Pedro Lima tinha visto o espectáculo "A Noite Canta os Seus Cantos" e já aí percebera a "tendência minimalista de Jon Fosse", a sua "forma particular de escrita" em que a divisão de frases "parecem palavras soltas". "É a grande síntese da simplicidade."
O minimalismo de Fosse e a importância do não dito nas suas peças dá liberdade ao actor, mas também o obriga a uma contenção. "Dá uma grande liberdade no que diz respeito à forma - qualquer que ela seja vamos chegar ao mesmo conteúdo", diz Pedro Lima. "Ajudou-me muito o Jorge Silva Melo ter-me dito que Jon Fosse é extremamente tímido, conhece bem a dificuldade do diálogo. Tenho fases mais histriónicas, outras mais tímidas. Conheço bem a timidez", acrescenta o actor.
Para a actriz este "é um tipo de texto que, quando se lê a primeira vez, não se vê nada". Vai-se percebendo à medida que se vai montando, acrescenta, e três meses de ensaios e um "processo muito calmo" permitiram "desenvolver o texto de forma muito pessoal": "O Jorge [Silva Melo] obriga-nos a isso, são as nossas propostas que vão formando o trabalho." Pedro Lima completa: "Aqui há tempo para ensaiar, para errar, reflectir sobre o texto e sobre a representação."