Atentado em Beirute mata ex- -primeiro-ministro Rafiq Hariri
O milionário que reconstruiu a capital libanesa terá deixado de ser um aliado da Síria
Foi muito mais do que destruição física a grande explosão que ontem reduziu a escombros os carros blindados da comitiva em que seguia o ex-primeiro-ministro libanês Rafiq Hariri, atirou automóveis para as varandas semidestruídas dos hotéis à beira mar, deixou dezenas de veículos em chamas e fez uma cratera de mais de 10 metros no passeio marítimo de Beirute. No atentado morreram 12 pessoas, entre elas Hariri, o homem que personalizou a reconstrução da capital e do país desde 1990 (ver texto ao lado). O assassínio do antigo chefe do Governo deixou os libaneses com duas palavras nos lábios: "guerra civil", disse à CNN o correspondente do jornal britânico "The Independent", Robert Fisk, que morava perto do local do atentado.
O ataque, que causou ainda mais de 100 feridos, ocorre num contexto de tensões políticas no Líbano e na Síria, os dois visados por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. O Líbano, que se prepara para eleições legislativas em Maio, tem estado envolvido numa discussão em relação ao papel da Síria na política nacional. Damasco mantém cerca de 14 mil militares no país e uma extrema influência política. Hariri, antes acarinhado pelos sírios, ter-se-á juntado à oposição que pede a Damasco o fim da ingerência nos assuntos internos do vizinho.
O antigo primeiro-ministro demitiu-se no Outono de 2004 depois de uma polémica aprovação da extensão do mandato do Presidente Emile Lahoud, uma manobra vista como resultado directo de pressões sírias.
O deputado da oposição e antigo ministro libanês Marwan Hamadé (druzo) acusou directamente a Síria de estar por detrás do ataque: "É um crime abominável cujos responsáveis são conhecidos: começam em Damasco, passam por Baabda [o palácio presidencial libanês] e pelos serviços de espionagem libaneses", afirmou, citado pela RFI (Radio France Internationale). Hamadé foi ele próprio vítima de uma tentativa de assassínio em Outubro último, um ataque à bomba na mesma zona do atentado de ontem, ficando gravemente ferido.
A Síria foi rápida a condenar o que classificou como "atentado terrorista". O Presidente Bashar al-Assad pediu "unidade" ao povo libanês e que sejam "usados todos os meios para descobrir os autores deste crime odioso e quem está por detrás dele".
Um grupo islamista afirmou ter sido responsável pelo assassínio num vídeo enviado à estação de televisão Al-Jazira pela ligação de Hariri à Arábia Saudita, mas esta não foi considerada uma reivindicação credível de um ataque de tão grandes dimensões.
"Foi trabalho de um serviço de espionagem"
"Tudo ruiu à nossa volta", comentou para a agência Reuters um sírio, trabalhador de construção, que estava perto. "Foi como um grande terramoto." Vidros estilhaçaram-se num raio de um quilómetro e a explosão foi ouvida fora dos limites da cidade. Calcula-se que tenham sido utilizados cerca de 350 quilos de explosivos.
"Este foi o trabalho de um serviço de espionagem, não de um pequeno grupo", disse à Reuters a especialista em Médio Oriente do Royal Institute of International Affairs Rime Allaf. "Quem quer que o tenha feito quer criar o caos no Líbano e culpar a Síria. Não acredito que alguém na Síria tenha sido ingénuo ao ponto de acreditar que isto os ajudará." Por outro lado, acrescentou Allaf, "acredita-se que os israelitas tenham sido responsáveis por alguns assassínios no Líbano, mas por que quereriam desestabilizar a situação agora?", questiona, para concluir: "Os sírios devem estar muito preocupados."
O analista político libanês e editor no diário de Beirute "Daily Star", Michael Young, afirmou que o ataque só vai prejudicar Damasco. "Pode muito bem fortalecer a oposição à presença síria" no Líbano e terá consequências nefastas também no plano externo, disse Young, citado pelo "site" da Al-Jazira na Internet. "Os americanos vão apontar a Síria como directamente responsável". Agora "vai ser uma questão de quando é que os Estados Unidos e a França vão levar a escalada contra a Síria".