Neonazis boicotam homenagem em Dresden
Schroeder afirmou que o país deve estar de luto pelos seus mortos de guerra mas "não pode ignorar quanto sofrimento trouxe a outros a guerra iniciada pela Alemanha"
Sessenta anos decorridos sobre o bombardeamento aliado de Dresden muitos milhares de pessoas, trazendo na lapela uma rosa branca - a flor evoca um pequeno grupo de resistentes antinazis em torno dos irmãos Hans e Sophie Scholl, executados em Fevereiro de 1943 - prestaram ontem homenagem aos mortos, em diversas cerimónias. Acompanhado pelos embaixadores dos EUA, Daniel Coats, do Reino Unido, Peter Torry, e da França, Claude Martin, o ministro-presidente da Saxónia, Georg Milbradt, depôs, durante a manhã, uma coroa de flores no cemitério Heidefriedhof, onde 20 mil vítimas do bombardeamento estão sepultadas. Também deputados de todos partidos democráticos com assento no Parlamento regional de Dresden e cidadãos colocaram flores no monumento.
Num comunicado oficial, o chanceler Gerhard Schroeder afirmou que a Alemanha deve estar de luto pelos seus próprios mortos de guerra mas "não pode ignorar quanto sofrimento trouxe a outros a guerra iniciada pela Alemanha". Para Schroeder, todas as "tentativas de reinterpretação histórica" devem ser contrariadas com determinação. "É essa a nossa obrigação para com todas as vítimas do terror nazi e também com as vítimas de Dresden".
No parlamento regional de Dresden pendia ontem uma faixa com a inscrição "A dignidade do Homem é intocável" - artigo primeiro da Lei Fundamental alemã. O destinatário era o NPD, partido neo-fascista que conquistou 9,2 por cento de votos nas regionais de Setembro último. Cerca de 4 mil militantes da extrema-direita alemã, transportando bandeiras vermelhas, brancas e negras, numa clara alusão às cores nacionais-socialistas, algumas encimadas por uma águia dourada, marcharam ontem na capital da Saxónia para denunciar "o holocausto de bombas" e contra "o imperialismo americano". A edição online da "Der Spiegel" assegura que seriam muito mais do que 4 mil os participantes nesta "marcha fúnebre" e que a acção configuraria a maior manifestação da extrema direita no pós-guerra.
"Milhares de inocentes, incluindo muitas crianças e refugiados, morreram em circunstâncias terríveis", disse o chanceler. "Uma das cidades mais bonitas da Europa foi destruída (...) mas não podemos permitir que se invertam causas e consequências".
A noite de 13 para 14 de Fevereiro de 1945 era de terça-feira de Carnaval. Com as defesas alemãs a cair nas frentes de Leste e Ocidental, as cidades alemãs a serem sujeitas aos mais bárbaros bombardeamentos de toda a guerra, o Exercito Vermelho a pouco mais de cem quilómetros, não havia motivos para festejar Dresden. Jamais a expressão "quarta-feira de cinzas" descreveria com tão cruel precisão o dia seguinte em Dresden. Sete toneladas de bombas lançadas, por aviões Lancaster da RAF e B17 americanos transformaram a cidade num inferno. Devastaram 15 quilómetros quadrados de património histórico-cultural - a "Semperoper", a "Frauenkirche", o Zwinger - destruindo 85 por cento da cidade.
A operação "Thunderclap", pensada para facilitar o avanço do Exercito Vermelho e inscrita na lógica de "moral bombing", vitimou 35 mil civis na contabilidade oficial fixada "politicamente" nos anos 1950 pelo SED, partido comunista da ex-RDA, número questionado por alguns historiadores. A cidade tornou-se no símbolo do sofrimento da sociedade civil alemã durante a II Guerra. "Quem desaprendeu a chorar, reaprendeu-o ao ver a destruição de Dresden", comentou na época o Nobel da Literatura Gerhart Hauptmann.
Para nunca esquecer milhares de pessoas, numa iniciativa das Igrejas Católica e Evangélica e do governo regional, acenderam ontem à noite, na Theaterplatz, em frente à famosa ópera "Semperoper," dez mil velas. .