Cada vez menos alunos querem aprender francês
Quebra de 15 por cento em dez anos
A opção é claramente o inglês. Os professores alertam para a importância de saber duas línguas estrangeiras
Bárbara Wong
De ano para ano, o número de alunos interessados em ter aulas de francês diminui no ensino básico e secundário. A língua que os mais velhos aprenderam primeiro foi cedendo o seu lugar ao inglês e corre o risco de ser ultrapassada pelo espanhol, temem mesmo os docentes da disciplina.Há dez anos, no ano lectivo de 1994/95, havia em Portugal mais de 50 mil alunos do 2º ciclo inscritos a francês. Este ano não chegam a 3500 os miúdos que optaram pela língua de Molière nesta fase de ensino. Eram 16 por cento dos matriculados no 5º e no 6º ano, agora são 1,4.
No que se refere ao 3º ciclo (6º, 7º e 8º anos), o francês perdeu, no mesmo período de tempo, cerca de 83 mil alunos quando escolhido como primeira opção. Além disso, desde 1989 que a legislação passou a permitir ao aluno, uma vez chegado ao 7º ano, continuar a ter apenas uma língua estrangeira em todo o 3º ciclo, em vez de duas. E aí a aposta foi maioritariamente no inglês.
Em 1994/95, 19 por cento do total de alunos inscritos no 3º ciclo escolhiam o francês como primeira língua. No ano lectivo em curso, apenas 4,3 por cento dos jovens manifestaram essa preferência.
É certo que, em termos globais, a população escolar diminuiu bastante no espaço de uma década (ver quadros), mas a percentagem de alunos que preferem o francês sofreu uma quebra bem acentuada: os dados do Ministério da Educação mostram que há dez anos correspondiam a praticamente um quinto (18 por cento) dos que frequentavam os 2º e 3º ciclos. Em 2004/2005 são 3,1 por cento.
A queda da popularidade da disciplina começou a dar-se com a massificação do ensino, analisa Luís Filipe Teixeira, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e formador de professores. "O francês deu lugar à língua da moda, mais solicitada, o inglês. É inegável que diante dele, é uma língua menos útil", diz.
É o inglês que os jovens ouvem nas músicas, nos filmes. Mas é também a língua da economia, acrescenta Luísa Solla, professora de francês na Escola Superior de Educação de Setúbal.
Há ainda a imagem que o idioma tem junto dos mais novos: "O francês continua a ser mais difícil por causa da gramática, dizem os estudantes. Mas se conhecerem a gramática portuguesa, o estudo fica facilitado para qualquer outro idioma de origem românica, explica Luísa Solla.
Por outro lado, "os professores, que deixam de ter alunos, começam a interiorizar o declínio da língua", lamenta Zélia Sampaio Santos, presidente da Associação Portuguesa de Professores de Francês. A organização também reflecte a crise do idioma: em três mil inscritos, há actualmente pouco mais de cinco centenas de sócios.
Também os alunos que chegam ao ensino superior para fazer uma formação na área das Línguas e Literaturas Modernas e que terão como saída a docência são cada vez menos, constata Luís Filipe Teixeira. Mas tal não se deve apenas à queda na escolha do idioma - as poucas perspectivas de conseguir emprego também contribuem.
É "essencial"
conhecer dois idiomas
O Ministério da Educação não tem uma política de favorecimento de qualquer língua estrangeira e os factores de escolha dependem unicamente dos alunos e familiares.
No entanto, Luís Filipe Teixeira considera que as decisões políticas também foram responsáveis pelas opções dos alunos. Quando em 1989 passa a ser obrigatória apenas uma língua estrangeira no 3º ciclo, essa medida vem prejudicar o francês, diz.
Entretanto, o alemão e o espanhol têm vindo a conquistar mais público. Mas é o castelhano que preocupa os professores: "É uma concorrência muito forte e o francês poderá passar a terceira língua escolhida", prevê Luísa Solla. Espanha está mais perto, os alunos acham que é um idioma mais fácil e, além disso, vêem-se a prosseguir os seus estudos superiores no país vizinho, enumera.
Para já, os números ainda não apontam para a força do castelhano. Mas parece garantido que o espanhol e o alemão só não conquistam mais alunos porque nem todas as escolas têm estas ofertas. Além disso, é preciso mais de dez interessados para constituir uma turma, lembra Zélia Sampaio Santos. "Se os estudantes pudessem mesmo escolher, o francês vinha por aí abaixo", arrisca.
Os jovens não devem esquecer que uma segunda língua é "sempre útil", avança o professor da Universidade de Lisboa. "Com a crise do desemprego a acentuar-se, vai ser preciso saber duas linguas. Há espaço para o francês no mercado de trabalho. E, em termos culturais, é muito importante, sobretudo para quem quer perceber a língua e a história, a nossa própria cultura", defende Luís Filipe Teixeira.
O francês é o 11º idioma mais falado no mundo inteiro, existem mais de 81 milhões de francófonos. Há ainda 250 milhões de falantes ocasionais, contabiliza o Governo francês, na Internet. "O Francês está mal enquanto língua estrangeira, enquanto materna está muito bem", conclui Zélia Sampaio Santos.
Desde 1947 e durante 20 anos, o francês era a primeira língua estrangeira com que os alunos portugueses se defrontavam, logo no início do ensino preparatório. O inglês era obrigatório a partir do 3º ciclo e no secundário era opcional. Os jovens podiam escolher entre a língua de Shakespeare e a de Goethe, se quisessem prosseguir os estudos superiores na área da filologia. Caso contrário, ficariam apenas com três anos de inglês e sete de francês (começava no 1º ano e ia até ao último). Com a reforma do ensino em 1967, o inglês ganha um estatuto igual ao do francês e pode ser escolhido logo no 2º ciclo. Na década de 70, as duas línguas estrangeiras continuam obrigatórias no 3º ciclo, mas há mais um idioma de oferta: o alemão. Os estudantes podiam escolher duas das três.
Em 1989, nova reforma, nova alteração: apenas um idioma obrigatório no 3º ciclo. Os estudantes que quiserem podem, ainda assim, optar por outra língua estrangeira, em vez de Educação Musical ou Educação Tecnológica.
Estas alternativas deixam de existir a partir de 2002/2003, quando volta ao 3º ciclo a obrigatoriedade de ter duas línguas estrangeiras, de maneira a assegurar que todos os alunos tenham, até ao fim da escolaridade obrigatória, acesso a dois idiomas usados na União Europeia. O espanhol chega aos currículos nacionais na década de 90, mas é no ano lectivo de 1997/1998 que o seu ensino se generaliza. B.W.
O ensino das línguas tem de ser alterado. A opinião é comum aos professores contactados pelo PÚBLICO. Dizem que é preciso apostar na audição e oralidade. Vídeos, DVD, CD e multimédia são alguns dos equipamentos que podem ser usados na sala de aula para cativar os alunos.
"Ainda se ensina como se leccionava o latim. E a língua é um veículo de comunicação. Enquanto os professores não compreenderem isto os alunos vão continuar a dizer que não gostam porque tem muitos verbos", retrata Zélia Sampaio Santos, presidente da Associação de Professores de Francês. Para Luís Filipe Teixeira, docente na Universidade de Lisboa, as línguas deveriam ter mais tempo no horário dos alunos. "Não funciona porque o currículo está cheio de disciplinas com um tempo mínimo. São um conjunto de migalhas", reclama.
Os professores também devem aproveitar para tornar a língua transversal ao currículo. Por exemplo, ela pode ser utilizada noutras disciplinas, para investigar, sugerem Luísa Solla, professora na Escola Superior de Educação de Setúbal, e Zélia Sampaio Santos.
Na hora de fazer a avaliação, as notas a francês não são brilhantes, constatam os docentes. Mas o mesmo acontece com o inglês, onde os estudantes tiveram mais anos de estudo. Nos últimos exames nacionais, as duas disciplinas tiveram resultados que variam pouco, ambas em terreno negativo - 9,5 valores para o francês e mais três décimas para o inglês, numa escala de 0 a 20. B.W.